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Grande Rio mergulha fundo nas águas místicas das encantarias

Na sequência, o cartaz lançado esta semana pela Grande Rio com um alfabeto próprio criado pelo abridor de letras Luiz Júnior para a escola, as águas amazônicas e a representação das Belas Turcas, figuras do Tambor de Mina que terão destaque no enredo. FOTOS: REPRODUÇÃO INSTAGRAM
Na sequência, o cartaz lançado esta semana pela Grande Rio com um alfabeto próprio criado pelo abridor de letras Luiz Júnior para a escola, as águas amazônicas e a representação das Belas Turcas, figuras do Tambor de Mina que terão destaque no enredo. FOTOS: REPRODUÇÃO INSTAGRAM

Aline Rodrigues

“Pororocas Parawaras: as águas dos meus encantos nas contas dos curimbós” é o enredo da escola de samba carioca Grande Rio para o carnaval de 2025. De autoria dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, em parceria com a pesquisadora paraense Rafa Bqueer, o enredo propõe um mergulho nas águas amazônicas e uma jornada mística que mistura palácios, pajelanças, incensos, igarapés, encantarias e terreiros de Tambor de Mina. Tudo isso perfumado com ervas e conduzido pelo ritmo e pelas letras do Carimbó.

“Há quatro anos sou destaque da Grande Rio, 2025 vai ser mais um ano que estarei de destaque e dessa vez também como pesquisadora. Como entendedora da cultura popular paraense, todo o meu início de carreira é nas escolas de samba de Belém e acho que fez muito sentido poder agregar nas pesquisas com referências, pensando também personalidades e figuras da cultura popular paraense que pudessem agregar na pesquisa sobre as encantarias e sobre os carimbós, que serão fundamentais para esse enredo que trata das princesas turcas e de outras figuras das encantarias das águas do estado do Pará”, falou Rafa Bqueer, que é multiartista que transita pelos universos das artes visuais, da performance, do cinema, da cena drag e, como não poderia deixar de ser, do carnaval das escolas de samba, onde já é destaque há 10 anos.

Em seu Instagram oficial, a escola explica o enredo: “As Belas Turcas são as mais queridas entidades da Mina paraense. Os tambores do Carimbó são os Curimbós, que possuem nomes próprios e expressam a voz dos Encantados. Saudando as ‘Quatro Contas’ da sua vida, Dona Onete homenageia as suas protetoras: Mariana, Jarina e Herondina, as Belas Turcas; e a Cabocla Jurema, que personifica a própria floresta”.

O título evoca a ancestralidade indígena. As Princesas se confundem com o fenômeno da pororoca e são saudadas dessa forma nas doutrinas (modo como são chamados os “pontos” do Tambor de Mina). Já a palavra Parawara, numa tradução livre, quer dizer “habitante do rio” ou “oriundo do rio”. Se “pororoca” é estrondo, algo que arrebenta, fala-se da voz de quem mora nos rios, dessa voz que vem do fundo.

“É um enredo que está sendo construído e vai ser guiado pelos carimbós, pajelança cabocla, por figuras que conhecemos na Ilha do Marajó, em Soure, Alter do Chão e em Belém, nos terreiros de Tambor de Mina. Tivemos passagens por vários lugares que envolvem tanto a cultura preta e indígena do Pará, como também em conversa com os carnavalescos da cidade de Belém. Uma pesquisa muito grande não só por meio de livros e artigos, mas também a partir da linguagem oral, do que está na memória popular sobretudo nessa memória que é extremamente indígena de um saber da floresta muito grande”, disse Rafa.

Esta semana a escola divulgou o cartaz com o enredo, que valoriza as letras flutuantes dos barcos da região amazônica. O cartaz é resultado do diálogo com a idealizadora do projeto “Letras que flutuam”, a designer Fernanda Martins – a Grande Rio fez parcerias com os abridores de letras, artistas que se dedicam à pintura de embarcações, em diferentes localidades do Pará.

O abridor Luis Júnior foi quem desenvolveu um alfabeto inteiro para a escola, que foi utilizado no cartaz de divulgação, que contou ainda com o trabalho da artista visual Mavi Maia. A artista pintou os animais de poder que representam as Princesas e os demais elementos composicionais. Mavi reinterpretou, ainda, o escudo da escola, unindo aos animais as flores, os frutos e as folhas da Samaúma.

“Acho que a Grande Rio vai fazer um grande carnaval e do que depender de mim e dos carnavalescos vai ser um carnaval com muitas participações paraenses. Estamos tendo essa preocupação de convidar muitos artistas paraenses para fazerem parte do processo criativo, nas ilustrações, na música, já temos diversos artistas participando com a gente desse processo dos bastidores. E é importante que o Pará se veja não só no dia do desfile, mas também nos bastidores, em todas as pessoas que estão conseguindo construir conosco esse grande carnaval”, adiantou Rafa, que é natural de Belém e cursou Artes Visuais na Universidade Federal do Pará.

Foi durante a graduação, em 2013, que a artista conheceu os atuais carnavalescos da Grande Rio. Na época, ela participava de um intercâmbio acadêmico e estudava na Escola de Belas Artes da UFRJ.

“É um momento de grande alegria e de emoção, porque falar do Pará é falar da minha cultura, ancestralidade, das memórias, da minha família, da minha avó, tudo que a gente sempre escuta das nossas tradições indígenas, pretas, dos carimbós, música, é uma cultura muito rica. O Pará é um país, faço questão de falar isso sempre, porque é muito grande e muito diverso culturalmente. Então, poder ver essa imensidão sendo homenageada numa escola tão importante como a Grande Rio é muito emocionante para mim e fazer parte dessa equipe criativa é uma realização pessoal e artística, porque tenho um reconhecimento que é importante também na área de arte contemporânea e instituições de arte, e ao mesmo tempo ter o Carnaval como uma plataforma de saber, de construção criativa é fundamental para mim também, poder transitar entre áreas artísticas e uni-las. Elas não se dividem na minha trajetória, elas se encontram sempre”, finalizou Rafa Bqueer.