Wal Sarges
Refletir sobre a identidade e a memória de um povo é um dos propósitos da programação da Semana Nacional dos Museus, aberta na última segunda-feira, 13, e que se estende até este domingo, 19, lembrando também o Dia Internacional dos Museus, celebrado no último dia 8.
Foi para marcar este momento que ocorreu ao longo desta semana a Expedição Minas Gerais, uma iniciativa educativa da Vale, que este ano convidou jornalistas do Norte, Nordeste e Sudeste a percorrer museus e espaços que contam a história do povo mineiro, a partir de lugares como Mariana e Ouro Preto, que integram o conjunto de cidades históricas do estado mineiro e compõem um importante patrimônio arquitetônico Colonial-Barroco do País.
O circuito começou pelo Memorial Minas Gerais Vale, localizado na Praça da Liberdade, no Centro de Belo Horizonte, passeando por construções importantes que datam do século 19. Dali, o roteiro seguiu para Ouro Preto e os mais tocantes templos sagrados, como as Igrejas de São Francisco de Assis e de Nossa Senhora do Pilar, além dos museus do Oratório e o de Boulieu. Em Mariana, foram visitados o Museu homônimo e a Igreja de São Francisco de Assis. O itinerário encerrou no município de Brumadinho, em Inhotim, conhecido como o maior museu a céu aberto da América Latina.
A ação mostrou a importância da arte e da cultura para a reconstrução da memória de pessoas pertencentes a comunidades que passaram por desastres ambientais, tais como Mariana e Brumadinho.
Conhecida como Cidade dos Bispos ou Cidade Episcopal, Mariana foi elevada à categoria de vila em 1711. Foi a primeira localidade da então Capitania de Minas Gerais a receber foros de cidade. Sua população, segundo o mais recente censo demográfico de 2020, é de aproximadamente 61 mil habitantes.
O Museu de Mariana foi instalado em duas edificações históricas da cidade: a Igreja de São Francisco de Assis e a Casa do Conde de Assumar. O projeto, viabilizado com apoio de R$14,2 milhões do BNDES, permitiu também que a igreja, um dos monumentos mais visitados de Mariana, fechada desde 2013, fosse reaberta ao público.
OURO PRETO E MARIANA
A coordenadora pedagógica Nathália Santos é quem acolhe os visitantes em dois espaços: o Museu Boulieu, em Ouro Preto, e o Museu de Mariana, na cidade homônima.
“O museu conta com eixos temáticos que direcionam a experiência do visitante para o contato com a história das origens dessa cidade. Apesar de não focar tanto na população indígena que aqui já existia, ele retrata a chegada do bispado, refletindo essa cidade, que também é conhecida como Cidade dos Bispos ou Cidade Episcopal. O Museu de Mariana permite uma reflexão sobre a cultura da cidade, os seus festejos, as suas produções”, descreveu Nathália Santos.
Localizado em Ouro Preto, no principal acesso ao centro da cidade mineira, o Museu Boulieu ocupa as instalações do antigo Asilo São Vicente de Paulo e abriga a coleção do casal Maria Helena e Jacques Boulieu, que dá nome à instituição.
“O Museu Boulieu tem uma característica completamente diferente do Museu de Mariana. Ele trata sobre o Barroco, que é constituído a partir do processo de colonização dos reinos ibéricos – que hoje são conhecidos como Portugal e Espanha. As salas têm foco tanto no Barroco asiático quanto a prata do território andino. Tem ainda artefatos dos povos originários e, claro, a produção barroca que foi constituída no lugar”, detalhou a coordenadora pedagógica.
O espaço conta com um acervo de cerca de 2,5 mil peças colecionadas durante 50 anos, a sua maior parte, ligadas à arte sacra. “Há ainda uma reflexão mais voltada para o território brasileiro, dando evidência tanto para o estado do Maranhão, Pernambuco e Bahia, isso pensando no Nordeste brasileiro, possibilitando uma reflexão dessas diferenciações de localidades próximas. Tem ainda uma projeção de audiovisual com o Congado Mineiro, mais especificamente, da cidade de Ouro Preto”, destacou Nathália Santos.
DESLOCANDO O OLHAR
“Ouro Preto é um grande destaque de uma cidade que possui obras e construções constituídas dentro dessa estrutura artística barroca, o que nos permite a reflexão do processo de resistência. E nesse processo de colonização, esse movimento artístico nos traz implicações do povo que coloniza, mas a gente pode e, a gente escolhe, dentro do Boulieu, observar sob outra ótica, que é de quem é colonizado”, afirma a coordenadora.
“O que nós fizemos, num processo de opressão, para manter viva a cultura que vem de outras partes, no caso do Brasil constituído, não só pelos nossos povos originários, mas também pelos povos africanos? O que é possível a gente ver, ir além, dentro dessa estrutura? Nesse sentido, o Boulieu propicia isso, ele evidencia nas suas particularidades, às vezes, não tão destacadas, o tanto que cada um dos povos conseguiu resistir em um processo de opressão tão forte”, argumentou Nathália Santos.
“Em alguma medida, pelo menos, quando a gente consegue furar essas barreiras, apresentando por exemplo, a população dos distritos, falando sobre eles mesmos, ou quando a gente consegue ter bonecões do Bloco Zé Pereira, que também estão na rua, a gente foca o olhar para quem está lá fora, que é o nosso principal objeto de estudo do Museu de Mariana”, completou ela.
Ações educativas ajudam a construir novas memórias
Segundo Nathália Santos, o Museu de Mariana e o Museu Boulieu possibilitam diferentes e complementares formas de experiência. “Enquanto o Museu de Mariana traz uma expressão mais afetiva, no sentido de evocar e trazer a própria memória da população da cidade, o Museu Boulieu oferece uma tradução da cultura e de contato com ela de uma forma diferente, não só no sentido da identificação daquilo que é produzido dentro do estado, dando destaque para o Barroco mineiro, mas também como esse Barroco traz semelhanças e diferenças, a depender das localidades que são observadas”, comparou.
Esse contato com a comunidade, de acordo com a coordenadora pedagógica, não se dá só por causa da constituição desses espaços. “Para isso, é necessário trazer uma série de eventos em que a gente faz uma conversa muito mais íntima entre a comunidade e artistas, possibilitando o acesso da comunidade a eventos e atividades promovidas no espaço, para que ela se sinta mais parte desses ambientes”.
Essa interação entre museus e comunidade não se limita a isso, ela continua. “A gente tem uma série de outras atividades educacionais que propõem uma educação patrimonial e um senso maior de pertença. Isso quer dizer que a gente traz programas que consigam evocar a memória dessas pessoas e, além disso, que elas as valorizem”, enfatizou.
Em uma das salas do museu, por exemplo, os visitantes são convidados a conhecer a história das pessoas que ali moram, a partir de relatos delas mesmas. Dessa forma, tanto adultos quanto jovens e adolescentes compartilham o que desperta neles esse sentimento de pertencimento. Tem histórias desde os festejos folclóricos locais até de lugares que assombram gente de toda idade.
VISITANTES
Em Ouro Preto, turmas inteiras de estudantes visitam a cidade diariamente. De uma maneira muito dinâmica, são convidados a aprender sobre patrimônio e a cuidar dele na prática.
O analista de teste Gustavo Grimaldi, de 22 anos, é natural de São Paulo e estava em visita a Minas Gerais. Ele disse que ficou extasiado pela riqueza da Igreja de Nossa Senhora do Pilar. “Ouro Preto é um lugar que eu sempre quis visitar desde criança, quando lia os livros de história, porque eu achava tudo muito bonito. Eu achei tudo incrível porque eu só tinha ido a igrejas de bairro, que são mais simples. Em termos artísticos, esta é gigante e eu consigo sentir uma energia muito forte dentro dela”, afirmou.
Outra visitante, Sarah Cerveira, 21, design de jogos, destacou a riqueza da cultura local. “Eu não sou religiosa, mas eu acho muito bonita a arte e a cultura de Ouro Preto, então, estou muito feliz de estar nesse lugar. Eu gosto também da história desse povo, da riqueza que é mostrada dentro desses lugares onde predominava esse estilo que é marcado por traços com ouro. Acho que toda essa história é importante e espero que isso seja conservado para sempre. Acho muito incrível ter coisa tão antiga aqui”, disse.
*A repórter viajou a convite do Instituto Cultural Vale.