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“Porky’s”: todo moralismo será castigado

Um estudo realizado a partir da análise dos 250 filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos desde o ano 2000 foi divulgado neste mês pela publicação inglesa “The Economist”, com a conclusão de que o conteúdo sexual no cinema diminuiu quase 40% neste período. Além disso, em outro estudo, este da Universidade da Califórnia, a Geração Z foi bem específica ao dizer que não tem interesse em ver cenas de sexo ou romance em filmes e séries.

Essa onda de conservadorismo entre os jovens poderia até ser mais preocupante, mas a arte sempre encontra um meio de cumprir sua função primordial de provocar, romper padrões e forçar o pensamento crítico. Tanto é que o conteúdo sexual existente hoje no cinema, segundo o mesmo estudo, embora menor, está cada vez mais explícito e com propósitos narrativos claros, como nos filmes “Pobres Criaturas” e “Saltburn”, por exemplo.

É uma saída para combater esse moralismo, com direito a novos (velhos) tabus e jogo de aparências, que mais parecem ter saído da década de 1950 e que, cá para nós, não resistiriam a uma espiadinha no histórico da internet. O que é um completo paradoxo se pensarmos no que os jovens daquela época, com hormônios à flor da pele e totalmente reprimidos por uma sociedade hipócrita, penavam para dar vazão aos seus sentimentos e desejos.

Nesse contexto, como não lembrar dos garotos de Angel Beach, uma fictícia escola de ensino médio nos Estados Unidos, que usam de toda a sua criatividade e entusiasmo pelo sexo oposto para chocar pais, professores, fanáticos religiosos, autoridades policiais e muitos outros, simplesmente pelo fato de seguirem seus instintos e se entregarem à diversão e, por que não, à boa e velha sem-vergonhice sadia e sem culpa. “Porky’s: a casa do amor e do riso” decididamente não é como “Pobres Criaturas”. É uma pornochanchada. E das melhores já feitas, perfeita para esses tempos estranhos.

Essa história foi contada há pouco mais de quarenta anos e tornou-se uma das pedras fundamentais dos chamados filmes de adolescente dos anos 1980. Há tempos não o vejo (ou suas duas sequências) na grade de programação das emissoras de TV, mas o filme marcou época nas madrugadas, sempre mutilado, claro, com cortes nas cenas mais quentes ou piadas mais pesadas – eu e meu irmão tínhamos uma fita VHS com “Porky’s”, “Férias do Barulho” (um dos primeiros filmes de Johnny Depp, também em uma linha de pornochanchada) e “Superman IV”, todos gravados do original da videolocadora (era proibido fazer isso, não espalhem), era só dar o play e morrer de rir.

“Porky’s” tem momentos antológicos, tirados das situações mais simples possíveis: uma espiada no vestiário feminino, uma ida malsucedida a um prostíbulo, a promessa de uma noite inesquecível com uma stripper de nome Virgem Eterna e até uma gargalhada contagiante do diretor da escola após a sugestão de uma acareação entre a inspetora e as partes íntimas de alunos suspeitos de se exibirem por aí. E sem contar com a pergunta que não queria calar: “Por que chamam ela de Lassie?”. Vocês não podem deixar de conhecer a resposta. Ah, e o “ela” se refere a Kim Cattrall, a Samantha de “Sex and the city”, em início de carreira.

Um dia desses, bateu a curiosidade e fui procurar na internet o paradeiro daquela turma. Uns já morreram (Balbricker, o diretor Carter, Tommy Turner…), outros não seguiram na carreira artística (Wendy, que virou instrutora de rafting) ou não tiveram nenhum outro papel de destaque. Até porque, embora representassem jovens colegiais, nenhum ator ali estava abaixo da casa dos trinta anos, então não podiam ser considerados promessas. Enfim, não importa. O nome deles sempre estará ligado a “Porky’s”, cujas duas continuações mantiveram o mesmo tom anárquico e divertido do original.

O criador da obra foi Bob Clark, que morreu em 2007. Ele também é responsável por “Black Christmas” (1974), um grande filme, sendo um dos pioneiros do terror slasher. E, guardadas as devidas proporções, é isso o que ele faz em “Porky’s”, mete o pé na porta, sem medo de ferir suscetibilidades – o que, ao que parece, voltou à moda. Assim, o seu filme adolescente não tem receio de se mostrar exatamente como é: errático, por vezes estúpido, sem consciência, que pode, sim, descambar para a grosseria e incorreção política. São adolescentes que só pensam em transar. O filme é sobre isso e suas consequências, e pronto. Ora, se ele já começa com o protagonista medindo o pênis com uma régua e anotando a sua “evolução” – ou, no caso, a sua “involução” por falta de uso, você já sabe muito bem o que esperar dali em diante. Da minha parte, merece todo o meu respeito. Sem falso moralismo.

ONDE ASSISTIR

  • “Porky’s: a casa do amor e do riso” não está disponível atualmente em nenhum streaming, mas pode ser encontrado facilmente, em sua versão legendada e com a dublagem clássica, no YouTube.

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