É curioso como paira, sobre a sociedade americana, uma cultura de cultos, após a queda do American Way of Life no pós-guerra do Vietnã e sequentes crises econômicas, deixando um grande espaço para o armamentismo, o conservadorismo religioso e o preconceito social.
Em “Love Lies Bleeding – O Amor Sangra” (mais um filme com um desnecessário primeiro título em inglês), nova aposta da produtora A24 e que vem fazendo sucesso no circuito alternativo, essa face cultista presente ali é potencializada em uma trama de suspense e romance, abusando dos clichês sociais americanos (caipiras, pobreza e violência exacerbada) para contar uma história que, sem ser original, consegue prender o espectador pelos motivos certos – e também errados.
Isso graças à diretora Rose Glass (do ótimo “Saint Maud”), que sabe como criar cenas de impacto a partir de uma perspectiva prosaica, mas com um bem-vindo exagero estético e linguístico, para contar a história de uma ambiciosa fisiculturista que se envolve com uma atendente de academia, em uma relação que deixa um rastro de sangue pelo caminho, em plena década de 1980, em uma cidade rural americana.
Glass investe em muitas analogias visuais para chegar ao resultado pretendido. Armas como símbolos fálicos, músculos em primeiro plano, suores iluminados e tons quentes da fotografia para pensamentos intrusivos e flashbacks, transformam sua obra em um thriller erótico diferenciado, e ambicioso semioticamente.
E tem também o talento do elenco, com uma Kristen Stewart cada vez mais ousada e eclética, além de Ed Harris, como um vilão propositalmente caricato. Mas é Katy O’Brian a grande revelação aqui. Acostumada a pequenos papéis em séries como “Mandaloriano” e “Z Nation”, a atriz aproveita o corpo sarado e o rosto expressivo para agarrar a oportunidade, transformando sua personagem em um anjo trágico.
Infelizmente, faltou investir mais nessa ambiguidade da personagem, além de trabalhar melhor a trama absurda neo-pulp, dando à tragédia grega do casal uma dimensão mais profunda. E um pouco mais de deboche e pastiches de outras obras (Irmãos Coen, Alejandro Jodorowsky, Tarantino, etc.) também não fariam mal ao trabalho de Glass, mas mesmo assim ela mostra que, com mais experiência e atitude, tem tudo para crescer tematicamente no cinema americano.
O filme está em exibição no Cine Líbero Luxardo, do Centur. Consultem a programação nas redes sociais do cinema.