Even Oliveira
Entre a noite e a madrugada de Belém, um lugar se mostra um espaço pulsante de trabalho. Em Belém, a Central de Abastecimento do Pará (Ceasa-PA), localizada no bairro Curió-Utinga, revela essa realidade. Ali, entre caixas empilhadas e grandes corredores, as experiências se entrelaçam além de um ritmo de trabalho frenético.
Para muitos, a Ceasa é mais do que um local de comércio, é um espaço onde a jornada diária se mistura com memórias. Alguns vendedores, que há décadas abrem suas bancas antes do sol despontar, são os guardiões dessa herança. Adilalmir Teixeira, de 43 anos, mais conhecido como “Bololô” pelos colegas e clientes, há 8 anos é vendedor permissionário de banana, mas carrega uma história de quase 32 anos com a Ceasa, que iniciou quando ainda era “carapirá” – quando aguardava pela doação ou reaproveitamento dos alimentos que eram descartados.
“A minha chegada aqui foi pela necessidade. Sou um dos 12 filhos da minha mãe, não tínhamos condições financeiras de nos mantermos, e a gente vinha catar [alimentos] na Ceasa, [éramos] o famoso carapirá, para ajudar na alimentação lá em casa. Na época, comecei a vender picolé aqui e, uma vez, quebraram a minha geladeira, acabei ficando, comecei a ajudar nos caminhões e na banana”, relata Adilalmir.
Atualmente, o box de Adilalmir emprega 12 funcionários e tem um carregamento de 3 a 4 carradas de bananas de todos os tipos por semana. Aproximadamente 60 toneladas, vindas de vários lugares como Pernambuco, Ceará, Maranhão, Piauí, Tocantins, entre outros. O permissionário contribui, ainda, doando as bananas que restam para o banco de alimentos da Central.
Assim como Adilalmir, a empreendedora Margareth Ferreira, 53, também já foi carapirá. Dos 12 anos de idade até aos 14 anos, acompanhando a mãe, iniciou sua história com a Central de Abastecimento. “Daqui a gente levava as frutas para meus irmãos, para um total de 9 pessoas”, fala. Margareth, aos 23 anos, retornou à Ceasa para trabalhar em uma lanchonete. Há 13 anos abriu o próprio estabelecimento no espaço.
Muitos produtos que adornam as bancas não são apenas mercadorias, mas fragmentos de terras distantes e testemunhas de longas jornadas nas estradas. Os caminhoneiros, que desbravam quilômetros de asfalto trazendo alimentos para abastecer as centrais, são peças essenciais nesse cenário. Ultrapassando 1.800 quilômetros, em média, duas vezes na semana, Ivanilson Souza, 52, faz o trajeto de Tianguá, no Ceará, até Belém, há 30 anos.
“São 21 horas até chegar aqui; carregando um saladão de verduras. A rotina é exaustiva, as estradas matam a gente no cansaço, mas encaro como o dia a dia mesmo, como um esporte, já virou costume, são muitos anos”, comenta o caminhoneiro que depende da renda para o sustento da esposa e dos filhos.
Mas não são apenas os vendedores e caminhoneiros que povoam os espaços da Ceasa. Há também os caçadores de oportunidades, que percorrem os corredores em busca da tão cobiçada “xepa” – sobra dos alimentos que podem ser doados ou vendidos por baixo preço. Para João Neto, 25, é a oportunidade de levar alimentos para o consumo da mãe, dos dois filhos e do irmão. “Levo legumes e temperos, que são alimentos para usar na comida do dia a dia, assim como frutas para os meus filhos. Minha rotina é voltada para a reciclagem, recolho para o meu convívio, mas também vendo alguns produtos para conseguir um dinheiro e ajudar mais em casa”, diz.
Os clientes que consomem tanto para uso pessoal quanto para abastecer suas vendas, como feiras ou estabelecimentos, também desempenham um papel importante nesse cenário. A autônoma Dora Damasceno, 55, sai do bairro do Umarizal até o Curió-Utinga para comprar batata para o seu empreendimento de batatas fritas. Normalmente, a busca ocorre três vezes na semana e, em períodos de maior demanda, todos os dias. “Chego por volta de 4h, às vezes mais cedo, já estou nessa rotina há mais de 10 anos”, fala.
Mamão, maçã, pêra, laranja e maracujá não podem faltar no espaço de dona Constância Marques, 71, na feira do Telégrafo. Há 15 anos, a feirante encontrou na Ceasa um ponto de partida de uma jornada que poderia promover um sustento melhor para a família. “Comecei vendendo lanche na feira; porém resolvi trabalhar com as frutas, que são compradas na Ceasa. O meu orçamento e do meu marido não dava, tínhamos 9 netos que, na época, ajudávamos, totalizando 20 pessoas em casa. Então resolvi empreender”, relembra.
Constância comenta que, no início, todos ajudaram nos trabalhos, até os netos que já eram um pouco maiores. Atualmente, a economia da família é através da feira, que é abastecida quase todos os dias, de 4h às 6h da manhã indo a Ceasa. Como resultado, conseguiu terminar uma casa, pagar as escolas dos netos, ajudar na faculdade dos filhos e ter qualidade de vida. “Hoje eles estão, a maioria, formados e atuando nas áreas que escolheram”, cita.
Dinâmica
Entre trabalhadores e consumidores circulam, diariamente, 5 mil pessoas dentro da Central de Abastecimento, aproximadamente. De acordo com o diretor técnico da Ceasa Pará, Denivaldo Pinheiro, em média, cerca de 22 mil toneladas de produtos hortifrutigranjeiros são movimentadas por mês na Ceasa, movimentando mais de 1 bilhão de reais em transações comerciais por ano.
Atualmente, a Ceasa conta com 460 permissionários cadastrados. São considerados permissionário/usuário da Central de Abastecimento toda pessoa física ou jurídica que, dentro das normas de qualificação do presente regulamento, obtenha a devida permissão de uso do espaço.
Para os interessados em vender produtos na Ceasa, Denivaldo explica: “Devem procurar o protocolo do recinto e se informar sobre a documentação regulamentar necessária. Após esta etapa, será informado sobre a disponibilidade de área para comercialização”, pondera.
O funcionamento ocorre 20h às 8h, totalizando 12 horas de transações comerciais de domingo à sexta. Aos sábados, a Central encontra-se fechada.