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A história pouco contada de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes

Tiradentes é conhecido como um dos principais heróis da história FOTO: Divulgação
Tiradentes é conhecido como um dos principais heróis da história FOTO: Divulgação

Luiz Octávio Lucas

Neste domingo, 21 de abril, completam 232 anos que Joaquim José da Silva Xavier, em 1792, foi capturado, julgado e condenado à morte por enforcamento, tornando-se o único participante do movimento conhecido como Inconfidência Mineira a receber essa pena. Mais conhecido como Tiradentes, é em homenagem a ele que a data é feriado nacional, já que o alferes é conhecido como um dos principais heróis da nossa história.

Mas, afinal, quem foi este homem considerado um mártir da independência do Brasil dos domínios de Portugal? O que é mito e o que é realidade em relação à biografia dele? A pergunta foi feita pela reportagem a dois historiadores, que explicam a seguir um pouco dessa história.

O professor Diego Maia conta que Tiradentes era um dentista, tropeiro, minerador e militar, nascido em 1746 na então Capitania de Minas Gerais. “Sua trajetória revela um indivíduo multifacetado, inserido em um contexto de agitação política e social. Sua participação na Inconfidência Mineira, um movimento separatista que eclodiu em 1789, marcou um ponto crucial em sua vida e na história do Brasil colonial”.

O educador explica que, na Inconfidência Mineira, Tiradentes emergiu como uma figura proeminente, defendendo ideais de liberdade e independência do domínio português. “No entanto, o movimento foi descoberto pelas autoridades coloniais, levando à sua repressão violenta. Em 1792, Tiradentes foi capturado, julgado e condenado à morte por enforcamento, tornando-se o único participante do movimento a receber essa pena”, destaca.

Foi a partir daí que o mito de Tiradentes começou a ser construído, logo após sua execução. “Impulsionado por sua coragem diante da morte e por sua identificação como mártir da causa pela independência. Sua imagem foi posteriormente exaltada durante o período imperial e republicano, transformando-o em um símbolo nacional de resistência e luta pela liberdade”.

No entanto, Diego Maia confirma que é importante reconhecer que a figura de Tiradentes foi amplamente romantizada ao longo dos séculos. “Sua verdadeira complexidade como indivíduo e participante da Inconfidência Mineira muitas vezes é atravessada por essa narrativa heroica. A análise histórica revela um homem envolvido em uma série de atividades e ideais, cujo legado transcende a simples iconização como mártir da independência”.

Já o professor Jeffrey Rebelo, graduado em história e em filosofia e especialista em ciência poĺítíca, lembra que Tiradentes foi “condenado ao suplício da forca pelo fato de ter traído a coroa portuguesa ao ousar tentar romper os laços com a metrópole, Portugal”, mas ele não estava só nessa batalha.

“Vale lembrar que Tiradentes não foi o único inconfidente; ao seu lado, no movimento separatista, aparecem figuras ilustres como os letrados Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga”, ressalta. “Também considero importante observar que ele não foi o idealizador da Inconfidência, e nem era o grande líder do motim, mesmo tendo sido o único a ser condenado à morte”.

De acordo com Jeffrey, historiadoras e historiadores costumam identificar a Inconfidência Mineira como um movimento da elite de Minas Gerais. “Era um movimento liderado por grandes proprietários e mineradores, que se encontravam em uma situação bastante delicada por acumularem grandes dívidas de impostos com o Estado português. Nesse contexto, o alferes Joaquim é comumente apresentado como o de mais modesta condição econômica”, revela.

“Diferente do que se costuma propagar, os Inconfidentes não pretendiam ‘libertar o Brasil’ do jugo português. O projeto separatista envolvia, basicamente, a Capitania das Minas Gerais, e deveria ser estendido até o Rio de Janeiro, para garantir à Nova República que seria constituída, uma saída para o Atlântico”, deixa claro.

O professor observa que os inconfidentes foram influenciados pelos ideais iluministas e pela Independência dos Estados Unidos (1776-1781). “Segundo Boris Fausto (historiador e cientista político), eles ‘começaram a preparar o movimento de rebeldia nos últimos meses de 1788’. Traídos por alguns companheiros, entre os quais figura Joaquim Silvério dos Reis, os inconfidentes foram presos logo nos primeiros meses de 1789. O processo criminal estendeu-se até 1792. No dia 18 de abril, Tiradentes foi condenado, e a sentença foi executada no dia 21”, elenca.

TIRO PELA CULATRA

E qual o motivo para um fim tão brutal? “A morte na forca e o esquartejamento do réu tinham por finalidade desonrar o condenado, soterrar sua memória e torná-lo infame, mas os planos da Coroa não saíram como esperado”, cita. “A historiadora Thais de Lima Fonseca nos diz que em 1821, antes mesmo da Proclamação da Independência, a imagem de Tiradentes já começava a ser resgatada em Minas Gerais. Essa tendência foi mantida ainda no Império, a ponto de, em 1867, uma coluna de pedra em homenagem aos inconfidentes ter sido erguida em Ouro Preto”, exemplifica.

“É claro que a exaltação do mártir ganhou mais força com o advento da República. Vejamos, por exemplo, que no dia 14 de janeiro de 1890 o governo provisório de Deodoro da Fonseca, por meio do Decreto nº 155 -B, determina que o dia 21 de abril, dia da execução do alferes, passaria a ser feriado nacional”.

Segundo Jeffrey, o novo regime, necessitado de popularidade, adota o herói, e reconstrói a sua imagem, retratando-o de cabelos compridos e barba para torná-lo mais próximo da figura do Cristo. “Essa estratégia aproximava não apenas o inconfidente da tradição cristã, mas ajudava a República a melhorar sua imagem diante da população”.

O professor destaca ainda que quando se trata desse assunto, se deve sempre lembrar que a Inconfidência Mineira (denominação dada pela Coroa) foi o primeiro movimento republicano da história brasileira. “Tal relação vincula o projeto republicano a um movimento que se compromete com a liberdade”, frisa. “Outro ponto a ser explorado, dentro dessa ‘cristianização’ do herói popular, é o reconhecimento de Joaquim Silvério dos Reis como uma espécie de ‘Judas’, que traiu seus amigos por dinheiro”, já que o personagem foi o principal delator da Inconfidência Mineira.

“Recorrendo mais uma vez a Boris Fausto, deixo registrado que Tiradentes passou por dificuldades econômicas: ‘desfavorecido pela morte prematura dos pais, que deixaram sete filhos, perdera suas propriedades por dívidas e tentara sem êxito o comércio.’ Esse homem entrou para o serviço militar ocupando o posto de alferes, e, de vez em quando, atuava como dentista”.

O professor afirma que algumas fontes defendem que essa condição mais ‘humilde’ do mártir teria sido o critério utilizado para a sua convocação ao movimento rebelde. “Tiradentes seria o mais popular dos inconfidentes, e poderia, com a sua popularidade, garantir mais apoio ao projeto separatista”, justifica.

“De minha parte, considero importante manter o debate acerca de sua importância para a nossa memória histórica, e mesmo para as tão necessárias pautas em relação à nossa eterna luta pela ampliação da cidadania e pela manutenção da nossa liberdade”, avalia.