Luiza Mello
Em 2022, o Brasil deixou de arrecadar R$ 453,5 bilhões em sonegação de impostos, contrabando, pirataria, roubo, concorrência desleal por fraude fiscal, sonegação de impostos, furto de serviços públicos, entre outras ações. O valor é quase o dobro do déficit primário registrado no ano passado, cujo valor foi de R$ 230,535 bilhões. Os dados estão no relatório “Brasil Ilegal em Números”, produzido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
O relatório mostra que, deste total, a maior parte refere-se aos prejuízos diretos com os impostos que os governos deixaram de arrecadar e que poderiam estar sendo revertidos em benefícios sociais para a população, como programas habitacionais, maior valor para o Bolsa Família, entre outros.
“É fundamental perceber que o mercado ilegal drena de forma crescente recursos da economia, distorce relações concorrenciais, prejudica a estrutura pública, contribui para a insegurança, precariza o mercado de trabalho e o bem-estar da população, comprometendo o futuro do país”, aponta o estudo.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que participou em Brasília do Seminário Combate ao Brasil Ilegal, realizado pelas entidades representativas da indústria, afirmou que o combate à criminalidade “não é só problema do Estado”. “O combate ao Brasil ilegal obviamente não se faz com a força bruta e ação das várias forças policiais, federais, estaduais e mesmo municipais. Se faz sobretudo com inteligência e cooperação entre Estado e setor privado, produtivo, e a sociedade”, disse o ministro.
FURTOS DE ENERGIA E ÁGUA
A nota técnica produzida pelas entidades mostra que o total que se perde com ações ilegais é três vezes superior à arrecadação prevista da União com dividendos e participações em empresas estatais para 2024. As atividades ilegais também impactam negativamente a economia por meio de mercadorias transacionadas ilegalmente, levando a “prejuízos diretos ao setor privado”, e furtos de energia e água.
O documento detalha o prejuízo causado pelas ligações clandestinas de energia e água: “são ônus à sociedade e ao setor produtivo, com impactos negativos à competitividade brasileira”. Segundo as entidades, a quantidade de energia elétrica furtada no Brasil em 2022 seria suficiente para abastecer todas as residências da região metropolitana de São Paulo por mais de um ano.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica, o índice de perdas não-técnicas (furto de energia) no Brasil em 2022 é superior a 14%. Na região Norte, por exemplo, o valor supera os 45%, o que contribui para a intensificação de desigualdades regionais.
“Consequentemente, o custo dos “gatos” de energia para o país é de R$ 6,3 bilhões, considerando-se somente a perda de arrecadação tarifária das concessionárias. Como exposto, tal cifra poderia ser aplicada, por exemplo, para redução de tarifas ou realização de novos investimentos na melhoria da qualidade da energia, um dos pilares para a competividade do setor produtivo”.
Levando em consideração 15 setores afetados pelo mercado ilícito, o Brasil deixou de gerar 369.823 empregos diretos com carteira assinada em 2022. Um exemplo dessa magnitude é o segmento de vestuário, que mais perdeu com a ilegalidade, deixando de empregar quase 67 mil trabalhadores no ano de 2022. Outros setores duramente afetados pelo mercado ilegal são o farmacêutico e o de combustíveis, que deixaram de empregar 20,7 mil e 15,5 mil trabalhadores, respectivamente. “A tendência é de subprodução por parte das empresas afetadas, já que boa parte da demanda acaba sendo abastecida pelo mercado ilegal”, diz o texto.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Para combater as perdas econômicas, as entidades sugerem a “formulação de políticas públicas que aumentem os custos de transação dos mercados ilícitos, além da modernização da legislação penal e regulatória para produzir dissuasão e incapacitação das redes criminais que operam no mercado ilegal”.
Os setores representantes da indústria brasileira defendem “ações coordenadas entre os entes públicos federais, estaduais e municipais no combate à ilegalidade”. “No que tange a questão transnacional, a interlocução entre o setor privado e as autoridades governamentais no combate à ilegalidade deve ser ampliada”.
De acordo com as entidades, isso poderia ser feito por meio de medidas de melhorias da governança, com o fortalecimento do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e do Grupo de Inteligência de Comércio Exterior; inteligência, com a criação de um canal de denúncias acessível sobre fraudes em importações e disponibilização de base de dados detalhada sobre as operações de comércio exterior; fiscalização, com o incremento do uso de inteligência artificial e de gestão de risco para monitoramento e identificação de práticas ilegais de comércio.
Também presente no evento, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, defendeu a aprovação do projeto de lei que muda as regras para o devedor contumaz como forma de combater o impacto das atividades ilícitas sobre as contas públicas. O texto foi apresentado pelo governo federal neste ano e propõe, entre outras mudanças, que fiscalizações e cobranças realizadas pela Receita tenham maior foco em contribuintes que não pagam reiteradamente os impostos. “Todo o sistema tributário é calibrado para o mau contribuinte, e o bom contribuinte, que é a regra, acaba sendo abarcado por essa exceção”, revelou o secretário.