Mostrar as vozes dos povos indígenas, suas culturas, tradições, diversidades, suas formas de ocupação do território, além dos conflitos sociais existentes em torno deles, é algo a que a estética audiovisual tem servido. Mas cada vez mais eles não são apenas o objeto da discussão, a partir de um olhar estrangeiro. São os indígenas que assumem suas próprias narrativas e promovem o diálogo, fazendo produções a partir de suas próprias perspectivas.
Exemplos disso são filmes como “As Hiper Mulheres”, dirigido pelo cineasta indígena Takumã Kuikuro e Carlos Fausto, e que conta com a participação de Itão Kuegü. A produção recebeu premiações em duas categorias no Festival de Gramado: o prêmio especial do júri e o de melhor montagem. Também entrou na seleção oficial no Festival de Rotterdam e recebeu prêmio de melhor som no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Takumã Kuikuro é hoje um cineasta em evidência e quem organizou o primeiro Festival de Cinema e Cultura Indígena (FeCCI), realizado em Brasília. Ele pertence ao povo Kuikuro, que vive no Território Indígena do Xingu. O cineasta conta que atualmente mora em Canarana, no Mato Grosso. Ele começou sua jornada no audiovisual, em 2002, pesquisando e estudando na ONG Vídeo nas Aldeias, que segundo ele é uma escola de cinema para os povos indígenas. De 2002 a 2010, finalizou duas produções, “Cheiro de Pequi” e o “Dia que a Lua Menstruou”. Takumã Kuikuro também ingressou na Escola Darcy Ribeiro depois de produzir um longa-metragem de mulheres através de uma bolsa do edital Portão de Cultura, na gestão do ministro da Cultura Gilberto Gil.
REGISTRO
O cineasta indígena conta que a iniciativa de fazer vídeos começou quando as lideranças da aldeia perceberam que os mais jovens estavam perdendo o interesse pelas danças, pinturas corporais, entre outros costumes. “O nosso objetivo é documentar a nossa cultura e o conhecimento dos mais velhos porque, nós, indígenas estamos recebendo tecnologia e pensamos que isso acabaria com as nossas tradições. Então, o antropólogo Carlos Fausto, do Rio de Janeiro, e sua colega Mara Santos criaram a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu – Aikax, onde nós podemos ter acesso a editais e apoio de ONGs para documentar a nossa cultura”, conta.
VOZ INTERNACIONAL
“A Febre da Mata”, que fez sua estreia mundial em 2022, no Rome International Film Fest, na Itália, e depois passou por diversos festivais nacionais e internacionais, é outro trabalho importante de Takumã Kuikuro. Ele assinou a direção, o roteiro, a fotografia e a edição do documentário sobre incêndios florestais no Brasil. “Durante o período de 2018 a 2020, o governo Bolsonaro incentivou a população brasileira a desmatar e a não demarcar as terras indígenas. Eles colocaram muito fogo nas terras indígenas para ocupar o nosso território, porque apesar do que se diz, nós sabemos cuidar da nossa terra, do nosso mato e da nossa água. Então, o filme trata do sofrimento dos animais, da natureza e das pessoas, porque nós nos sentimos queimados junto com a natureza, porque somos da natureza, somos do rio, nos conectamos com a espiritualidade da natureza. O filme trata da nossa riqueza; é o nosso sustento que está queimando”, descreve.
Para o cineasta, tomar a frente dos discursos sobre si mesmos tem sido fundamental para os povos indígenas, especialmente a partir do audiovisual. “Os povos indígenas são um grupo das pessoas originárias do Brasil e até agora não se reconhece isso. Nós queremos respeito e sermos tratados como pessoas e não como animais. No audiovisual, nós queremos ser protagonistas das nossas histórias, mostrando nosso trabalho, seja como fotógrafos indígenas, cineastas, diretores e/ou editores indígenas. Nós queremos contar a nossa própria história, que antes era papel apenas de antropólogos e outros profissionais. Nessa luta, nós queremos ser autônomos. Com esse propósito, eu abri a minha própria produtora, que se chama Xingu Filmes Produções Cinematográficas Limitadas. Assim nós podemos trabalhar nas diversas áreas do cinema”, afirma Takumã Kuikuro.