Luiz Flávio
O contexto global de guerras e a miséria fizeram crescer o número pessoas que deixam seu país de origem em direção a outros continentes na busca de uma melhor qualidade de vida. E o Brasil virou uma opção de entrada para milhares de estrangeiros, sendo o Pará um dos principais destinos no país.
O beninense Israël Sèwanou Hounsou, 31 anos, decidiu sair do Benin, na África, em 2014, vindo para o Estado do Pará, onde mora com sua a minha família em uma residência alugada. Abriu uma empresa no ramo da moda africana, a “Hounsou Store” para, segundo ele, “resgatar a autoestima dele e de seu povo, revelar as belezas e a cultura do seu país e ensinar os saberes africanos e potência da moda”. Os tecidos e roupas que comercializa vêm do Benin e de vários outros países africanos como Nigéria, Gana, Senegal, Costa do Marfim, Togo, Angola e África do Sul.
Ele afirma que o negócio tem sido o principal sustento de sua família e de pelo menos uma dezena de famílias que colaboram no seu empreendimento. “Tenho muitas perspectivas futuras aqui no Pará e no Brasil. Quero ampliar o que já está funcionando, abrir novas lojas em outros estados brasileiros e fazer do Instituto Hafama uma referência nas cooperações Sul-Sul”, espera.
Hafama significa Instituto Hounsou de Integração África-Amazonia, fundado por Israël e que atua em defesa dos Direitos Humanos de migrantes e dos povos tradicionais em diversos eixos na Amazônia, na África e no mundo. O africano diz que pretende voltar para seu país um dia. “É uma necessidade” e retornar é um processo que “está no meu DNA”. Mas ele se classifica como um “cidadão do mundo e vou estar sempre cá e lá”. No Benin ainda permanecem seus pais.
Perfeitamente adaptado à Belém após 10 anos morando aqui, o beninense disse que no começo nada foi fácil e que teve que enfrentar muitos desafios. “Quando a gente chega a primeira dificuldade é o idioma. Depois vêm todas as preocupações com questões sociais envolvendo racismo, xenofobia, roubos e até agressões. Ocorre que o paraense é um povo muito acolhedor e o Pará tem a melhor culinária como açaí e tacacá. Não tem como não se adaptar! ”, justifica.
Ele trabalha para sustentar família que ficou no Egito
O professor egípcio Mohamed Solinam, 33, chegou ao Brasil em 2019 na cidade de Campo Grande (Mato Grosso do Sul), onde permaneceu por 10 dias para tirar documentos de refugiado na Polícia Federal que garantiriam sua permanência no país. “Cheguei aqui sozinho e fiquei perambulando pela cidade de Campo Grande até encontrar um restaurante árabe no centro, onde recebi ajuda de árabes e que me ensinaram muita coisa”.
Após receber a documentação brasileira, Mohamed foi com um amigo para São Paulo e, de lá, partiu para Belém onde fez vários “bicos” até juntar um dinheiro para alugar um ponto e montar seu negócio na área de alimentação. “A partir daí consegui abrir minha empresa e me matriculei numa escola para aprender melhor a língua brasileira. Estou só e preciso me virar. Na pandemia todos fecharam suas lojas e eu mantive aberta e fazia entregas porque precisava trabalhar senão não pagava minhas contas…”, relembra.
Ele diz que escolheu Belém porque já conhecia o Pará pela internet e sabia que aqui residem muitos árabes, ao contrário do Mato Grosso do Sul. Trabalhando com comida num ponto no bairro da Pedreira, o egípcio trabalha praticamente sozinho para economizar mais dinheiro já que, segundo ele, grande parte do dinheiro que recebe envia para seus parentes que ficaram na sua terra natal. “A minha meta de vir para o Brasil foi justamente para ajudar meus parentes, principalmente meus pais e meus dois irmãos. Chego a trabalhar 20 horas por dia muitas vezes…” Ele diz que pretende voltar para o Egito apenas para visitar os parentes que por lá ficaram, mas que “seu destino agora pertence ao Pará”.
Comida paraense com tempero venezuelano
A chefe de cozinha venezuelana Nincy Suzana Morales, 50, saiu da Venezuela e chegou ao Brasil na segunda metade da década de 1990 para fugir da forte crise econômica venezuelana. Conheceu o pai de seus filhos – que é brasileiro – no país caribenho e veio para o Brasil com ele e um filho de 3 anos. Ela estava grávida de sua filha, que nasceu em solo brasileiro. Nincy permaneceu casada no Brasil ainda por 7 anos, quando se separou e retornou para a Venezuela, onde permaneceu por mais 6.
“Passou um tempo, o pai das crianças foi na Venezuela e trouxe meu filho para morar com ele aqui em Belém. Depois a minha filha também veio grávida para cá e tive que retornar ao Pará para não a deixar sozinha. Foi quando voltei de vez. Foi aqui que casei pela segunda vez”, relembra. Depois de muitas idas e vindas aqui e na Venezuela, Nancy abriu um negócio no ramo de alimentação junto com o novo marido durante a pandemia, na Cidade Nova 8, com a ajuda de um amigo, que fez muito sucesso em Ananindeua. “As pessoas faziam fila para comer no estabelecimento. Os nossos temperos e molhos fazem muito sucesso no Pará. Nossa propaganda era o nosso sabor diferenciado. Ficamos conhecidos aqui e fora do Estado”, relembra.
Ocorre que na época sua mãe faleceu e, para ajudar, Nincy teve que vender todos os equipamentos do seu negócio (freezer, fogão, chapa, etc.) para arranjar dinheiro e ajudar sua família na Venezuela e fazer o enterro da sua mãe. “Infelizmente tive que fechar o negócio e comecei a trabalhar como cabeleireira no salão da minha filha que, na época, atuava no ramo de estética”.
Ela ainda tentou reabrir o negócio com um sócio, mas acabou quebrando o tornozelo num acidente e passou seis meses acamada, o que acabou inviabilizando a parceria. “Fiquei praticamente um ano sem trabalhar e tive a ajuda da minha filha que hoje trabalha num estúdio de tatuagem em Ananindeua. Queria muito voltar a vender meus lanches venezuelanos, mas precisa de dinheiro, que eu não tenho”, lamenta.
Para conseguir se sustentar e a seus filhos, a venezuelana passou a atuar como cozinheira, precisando se adaptar a trabalhar para os outros e não no seu próprio negócio. “Mas continuo com o sonho de reabrir meu antigo negócio para trazer para Belém a comida venezuelana, dessa vez com a ajuda do meu filho, que também é cozinheiro”
Nincy trabalha hoje por diárias em restaurantes fazendo comidas típicas paraenses como vatapá e maniçoba com o “tempero” venezuelano. “Creio que não volte para meu país. Talvez um dia, mas apenas a passeio. Passei mais da metade da minha vida aqui nesse país. Amo esse o Pará. Minha vida é aqui”, diz a venezuelana, que deixou no seu país natal uma irmã e um irmão, tios e primos.