Wal Sarges
O amor e a dedicação ao patrimônio e à história são traços que fazem parte de quem é o professor e historiador Michel Pinho. Conhecido por sua atuação nas salas de aula e no despertar, através da fotografia, do interesse de seus alunos pela memória de seu povo e suas tradições, o estudioso conversou com o Você para falar de temas como patrimônio, memória afetiva e o sucesso de suas aulas abertas na rua, que já somam 10 anos, mas ganharam as graças de um público maior em função das redes sociais.
Presente desde o início da gestão do prefeito Edmilson Rodrigues, Michel Pinho exerceu o cargo de presidente da Fundação Cultural de Belém (Fumbel). Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Mestre em Comunicação, Cultura e Linguagens pela Universidade da Amazônia (Unama), ele atua há 20 anos nas salas de aula, além de pesquisar a história de Belém, a construção da sua memória imagética e suas relações com o patrimônio edificado e imaterial.
“Eu sou um professor e um historiador. Como qualquer professor, o que eu gosto muito é de fazer isso para uma quantidade de pessoas que nunca teriam acesso a essas informações, de forma democrática, pública, sem cobrar nada”, diz.
Neste sábado, 13, ele participa do 3º Encontro da Rede Raio que o Parta, que traz a temática “Patrimônio arquitetônico do Pará e preservação da memória na atualidade”. Esta edição tem a mediação da jornalista Trisha Guimarães e também as participações de Caíque Araújo, que é estudante de história, pesquisador e monitor do projeto de extensão e educação patrimonial Roteiros Geo-Turísticos pela UFPA; da vereadora Bia Caminha; e de representantes da Agência Monotour. O evento ocorre a partir das 9h, no Espaço Canto Belém, no bairro de Nazaré.
No domingo, 14, é dia de uma aula aberta inédita, cujo tema é “Da Colônia à República”, com concentração às 7h45 e saída às 8h15, no Galpão 3 da Escadinha da Estação das Docas. No evento, o professor contará as histórias da nossa cidade, caminhando pela avenida Presidente Vargas em direção à Capela de Santo Antônio, e depois falará sobre o processo de desenvolvimento urbano de Belém, dos anos 1930 a 1960, explicando a importância do Cinema Palácio, do Edifício Bern, entre outros.
O ponto final será no edifício Manoel Pinto da Silva. O evento é gratuito, mas os interessados devem considerar algumas recomendações para participar, tais como: levar uma garrafinha com água, utilizar um calçado confortável, além de usar protetor solar e um boné ou sombrinha.
Acompanhe a seguir a entrevista com o historiador.
Pergunta: Quem é o Michel Pinho por ele mesmo?
Resposta: Eu sou a pior pessoa para me descrever, por dois motivos: porque eu teria uma visão muito tendenciosa de alguém que ama a cidade e de alguém que não consegue passar um dia sem olhar para as ruas, para os prédios e questionar de onde veio, por que é assim e qual o interesse que isso pode despertar nas pessoas.
A tua relação com a história e com o patrimônio começou na universidade por volta de 1995, mas pessoalmente iniciou quando? Quem te influenciou na vida?
São três pessoas que tiveram um papel decisivo em relação a isso. Primeiro foi o meu pai, que é um contador exímio de história e hoje está aí com quase 90 anos; minha mãe, que é uma contadora da história das visagens do Marajó; e meu avô que, incrível, tinha uma coleção de 30 anos de jornais guardados na casa dele, tudo catalogado.
Naquele período, tu já tinhas ideia da dimensão que isso tomaria na tua vida enquanto historiador?
Eu nunca tive dúvida de ser historiador, nunca tive, desde os meus 16 anos já me preparei para ser historiador.
O que é patrimônio para ti? Quando se fala na cidade de Belém, por exemplo, por que ela desperta tanto o interesse em ti?
Patrimônio vem de uma palavra latina ligada com herança, com a paternidade, com aquilo que nós comunicamos. Acho isso muito interessante porque nós temos uma cidade de 408 anos que o tempo todo, sobre todas as formas, nos remete à importância da história, de como isso toca no fundo das pessoas.
Como é o processo de construir uma relação com a cidade em função do patrimônio?
É uma relação conflituosa porque, de um lado, há um desejo de contar, divulgar essa história e, de um outro lado, existe uma condição muito ruim. Durante pelo menos dois séculos a gente destruiu muito patrimônio histórico importante.
Qual é a importância disso para o ambiente urbano?
Para o ambiente urbano, a gente precisa de símbolo e de signo. Não dá para pensar Belém do Pará sem muitos símbolos, sem as igrejas coloniais, sem ala dos Palacetes, sem o Theatro da Paz, sem o Ver-o-Peso e também os símbolos que são símbolos dos bairros mais afastados do centro. Os mercados da Pedreira, do Guamá, os terreiros de Candomblé, as igrejas pentecostais mais distantes.
Qual é a tua expectativa para a COP-30, tendo em vista essa atmosfera do evento?
A COP é um evento que vai passar, mas eu espero que ela deixe o legado de preocupação, não só com o patrimônio material, com a recuperação do centro histórico da cidade, que a gente possa usufruir esse centro histórico de uma maneira mais coletiva e democrática, mas também com o patrimônio imaterial, com a valorização da nossa cultura e da nossa identidade.
Que ações práticas devem ocorrer para fazer isso acontecer de fato?
Através da revitalização do centro histórico, através do pensamento de um novo zoneamento urbano, que respeite o gabarito do centro histórico. Que a gente faça o fechamento de ruas para carros e estimule a bicicleta e o pedestre a observar a cidade de uma maneira melhor.
Tu acreditas que importantes ações e obras sejam concluídas até a COP-30, tendo como perspectiva o BRT, que há mais de 10 anos está inconcluso?
Embora o BRT não seja um elemento importante para o desenvolvimento do centro da cidade e do centro histórico, ele é um eixo fundamental para que as pessoas circulem na cidade. Acredito que a gente consiga resolver nos próximos dois anos pelo menos esse eixo do transporte.
Fale do sucesso das aulas abertas, tu esperavas que fosse um fenômeno?
Penso que é fruto do trabalho de 20 anos que eu faço aulas abertas e, nos últimos oito meses, elas têm aumentado de tamanho. Os números foram aumentando gradativamente, de 100 para 150; de 150 para 300, mas nos últimos oito meses, elas ganharam uma repercussão muito grande em função das redes sociais.
Os locais da cidade remetem a uma memória afetiva para quem os visita. O que tu elegeria como elemento que gere essa satisfação nas aulas abertas?
O mais importante é contar aquilo que não é óbvio, contar aquilo que é do domínio da história, e ainda, contar por que aquela rua teve o nome transformado ou por que tal prédio é daquela maneira. Propomos questionamentos sobre por que aquele cinema é naquele espaço. Isso é contar a história pelo viés diferente do que todo mundo fala.
Quais são os critérios para escolher os locais que comentas no Instagram?
O conteúdo no Instagram nasceu de uma necessidade muito clara: não tenho condições de dar a quantidade de aulas que eu gostaria, então existe muita leitura represada. Existem muitas leituras que eu faço e eu não tinha para quem falar. Então, tive a ideia de diminuir essas leituras para um minuto e meio, para comunicar pontos importantes da história da Amazônia, do Pará e de Belém.
Teve alguns locais que tu mais pensaste em falar logo por primeiro?
Não, porque tem características interessantes. Eu acordo e tenho uma ideia de manhã. No meio da manhã, eu dou um jeito no horário e vou gravar, e é muito rápido de editar isso e já solto. Eu tenho um planejamento, mas o que eu mais gosto de fazer é inusitado. Por exemplo, eu estava andando pela Conselheiro Furtado e pensei sobre ele [o Conselheiro Furtado] e a história de vida dele. Depois de ler uma dissertação ou um artigo, durante a pesquisa, depois eu gravo.
O teu conteúdo na internet tem chamado a atenção do público mais jovem?
Isso é o mais interessante. Então, nos últimos oito meses, quem tem mais me abordado são as pessoas bem mais velhas, que elogiam e que pedem que eu fale sobre sua família, sobre sua rua, sobre as transformações. Por isso que eu acho que as redes sociais, utilizadas dessa forma, criam muito mais um processo de unidade, identidade e diálogo de qualquer processo conflitivo. Isso me encanta demais. Ter a unidade social, discutir socialmente e democraticamente, ao invés de ficar brigando nas redes sociais.
E como é que tu acreditas que podes alcançar esse público mais novo?
O público mais novo normalmente são os meus alunos, pessoas de 17 a 22 anos que já me veem todos os dias nas salas de aula. Esse diálogo já existe. O que é muito interessante nos últimos oito meses é acessar os pais, os tios e os avós desses alunos.