Pará

Hospitais públicos do Pará abrem espaço para inclusão

Projeto do Governo do Estado leva o ensino para dentro dos hospitais, garantindo que pacientes internados possam estudar, dando continuidade à escolarização e evitando a evasão. Conheça alguns casos
Projeto do Governo do Estado leva o ensino para dentro dos hospitais, garantindo que pacientes internados possam estudar, dando continuidade à escolarização e evitando a evasão. Conheça alguns casos

Luiz Flávio

A autônoma Bruna de Nazaré Fonseca, 30 anos, é mãe de Maria Vitória Nascimento Leal, 9, que nasceu com má-formação nas artérias renais. A doença obriga a menina a fazer diálise pelo menos 3 vezes por semana na Santa Casa de Misericórdia, onde faz o tratamento há 7 meses, rotina que complicou sua frequência regular na escola tradicional. Por isso, em janeiro deste ano ela iniciou seus estudos na Classe Hospitalar da instituição.

O serviço é oferecido pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), atuando de forma estratégica para fortalecer a educação inclusiva de crianças e adolescentes que estão em tratamento contra várias doenças, com o objetivo de dar continuidade do processo de escolarização e evitando a evasão escolar.

A autônoma Bruna de Nazaré Fonseca, 30 anos, é mãe de Maria Vitória Nascimento Leal, 9, que nasceu com má-formação nas artérias renais.

O serviço de Classe Hospitalar é prestado pela coordenadora de Educação Especial da Seduc, tanto em ambientes hospitalares como em ambiente familiar, e tem obtido resultados expressivos desde a sua implantação em 2003. Ao longo do último ano foram atendidos mais de 1.900 alunos de todos os níveis e modalidades de ensino básico em seus domicílios e nas nove instituições hospitalares públicas nas quais a Seduc possui cooperação técnica.

“Os rins estão perdendo a função aos poucos e ela toma muita medicação em horários definidos o que complica a ida dela ao colégio. Então quando ela vem fazer a diálise ela também assiste às aulas na Santa Casa. Quando ela estava na escola era complicado porque ela esquecia as coisas muito rápido e não evoluía nos estudos. Aqui ele tem um atendimento especial e está desenvolvendo o aprendizado bem melhor”, comemora Bruna Fonseca.

Na Fundação Santa Casa são atendidas em média 40 crianças, entre 04 e 12 anos, que cursam da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. O Atendimento Educacional Hospitalar é realizado dentro da Santa Casa desde 2009, através de um acordo de cooperação técnica entre SEDUC e a Fundação Santa Casa de Misericórdia.

“Nossas aulas são ministradas diariamente, de segunda a sexta-feira, nos turnos da manhã e tarde na terapia renal substitutiva pediátrica (hemodiálise) e enfermaria”, informa a pedagoga Roseane Alcântara, uma das professoras do projeto na instituição.

Os alunos que estão em acompanhamento médico e recebem o atendimento educacional hospitalar na Santa Casa na grande maioria estão em tratamento para doenças como lúpus, insuficiência renal crônica, síndrome nefrótica, pneumonia e outros.

Eliana Celino, coordenadora do Programa de Classes Hospitalares e Atendimento Domiciliar da Seduc destaca que, além dos dados quantitativos, há as conquistas junto às escolas de ensino regular comum, no sentido de assegurar o vínculo desses alunos durante o tratamento médico, contribuindo para a redução efetiva do abandono escolar.

“As avaliações são realizadas de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, que é adaptada aos pacientes no atendimento hospitalar e domiciliar de acordo com a singularidade de cada aluno, de maneira formativa, contínua centrada nas potencialidades e avanços dos estudantes. As avaliações são encaminhadas às escolas de origem de cada aluno através de Boletins e relatórios, assegurando a retomada da vida escolar de cada um tão logo os atendidos tenham alta médica”, explica.

Apesar dos enormes desafios enfrentados pelos estudantes que têm a sua rotina escolar alterada drasticamente com os diagnósticos médicos, a resiliência e o avanço dos estudantes, segundo Eliana, contagia a todos e recompensa todo o esforço empreendido. “Todo esse trabalho não ajuda apenas os alunos, mas repercute muito positivamente na vida de todos os familiares envolvidos e em toda a comunidade onde estão inseridos”, destaca.

 

“Estudar ajuda a passar o tempo e aliviar as dores do tratamento”

Rafael Ferreira Cristo, 30, mora no município de Tomé-Açu e precisa vir para a capital três vezes por semana para realizar hemodiálise e assistir as aulas da classe hospitalar no Hospital das Clínicas (HC). Ele parou de estudar há 13 anos quando começou o tratamento no 6º ano e diz que a experiência de retornar à atividade num hospital tem sido recompensadora. Ele começou a estudar há duas semanas.

Rafael Ferreira Cristo, 30, mora no município de Tomé-Açu e precisa vir para a capital três vezes por semana para realizar hemodiálise e assistir as aulas da classe hospitalar no Hospital das Clínicas (HC).

“Vivia mais internado em hospitais do que em casa. Não tinha vontade para nada até conhecer esse projeto. E voltar a estudar tem sido maravilhoso para a minha vida. Venho adquirindo muitos conhecimentos. Sem falar que estudando o tempo passa mais rápido e ajuda a aliviar as dores do tratamento”, diz, satisfeito.

Natural de Bragança, Ariene Marcelino, 25, faz diálise no HC há 3 anos e tem os 2 rins comprometidos. Hoje mora em Belém por causa do seu tratamento. Parou de estudar bem cedo, na quinta série. “Meu sonho sempre foi estudar e me formar e apesar de todo os problemas de saúde estou conseguindo realizá-lo aqui no hospital. A gente fica pensando muita besteira e o estudo ajuda a combater esses pensamentos negativos. Eu aprendi a ler num outro hospital nesse mesmo projeto e agora tenho mais uma oportunidade de completar meus estudos. Agradeço muito ao hospital por me ajudar nesse projeto”, diz a paciente que há cerca de 2 anos realiza o tratamento no HC.

Natural de Bragança, Ariene Marcelino, 25, faz diálise no HC há 3 anos e tem os 2 rins comprometidos

O programa de “Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar” funciona na Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna há mais de 10 anos, atendendo crianças, jovens e adultos hospitalizados e em atendimento ambulatorial. As aulas são realizadas de segunda a sexta-feira, no leito¸ sala de aula, Hemodiálise e no Hall do Ambulatório.

O HC atende, mensalmente, uma média 30 crianças, jovens e adultos, cardiopatas e renais crônicos, com idade que variam entre 5 e 70 anos, que estão regularmente matriculadas ou não, no ensino fundamental I e 1ª e 2ª etapa do EJA.

“Sempre que possível realizamos contato com a escola de origem dos alunos para garantir a continuidade dos conteúdos que serão desenvolvidos. As avaliações são contínuas por meio das atividades realizadas no leito e na sala de aula. Como resultado temos a melhora da aprendizagem e a garantia da continuidade dos estudos desses educandos ao retornar as suas escolas de origem”, relata Rita Carvalho, professora responsável pelo programa no HC.

 

Atendimento é individualizado para evitar impactos no tratamento médico

Ana Caroline Gonçalves Pereira, de 18 anos, foi diagnosticada aos 6 anos com astrocitoma pilocítico grau 1, tipo de câncer que desenvolve um tumor de lento crescimento no cerebelo. A adolescente já realizou duas cirurgias, sendo a última delas em 2021, que deixou muitas sequelas. “Ela ficou mais de um ano e meio sem andar e teve que ficar dois anos e meio sem frequentar a escola. Graças a Deus ela melhorou e retornou aos estudos através da Classe Hospitalar aqui no Ophir Loyola”, relata Maria Socorro Pereira, 64, avó de Ana.

Ana Caroline Gonçalves Pereira, de 18 anos, foi diagnosticada aos 6 anos com astrocitoma pilocítico grau 1

Em 2021, com o agravamento de seu quadro de saúde, ela teve que parar de estudar, atividade que retomou esse ano no 9º ano do Ensino Médio. A estudante assiste às aulas no hospital às segundas e quartas-feiras.

“A situação dela exige toda uma atenção especial, mas felizmente ela vem avançando e reagindo muito bem graças ao trabalho especializado feito pela Classe Escola. Ela nunca teria esse acompanhamento e desenvolvimento se estivesse numa escola pública tradicional, já que minha neta perdeu uma parte da sua capacidade cognitiva em razão das cirurgias no cérebro. Esse trabalho educacional é muito importante”, conta.

Socorro conta que o sonho de Ana Caroline é se formar em medicina e atuar na área oncológica, que a conquistou em razão do seu tratamento. “Ela mora comigo desde os 8 meses de idade e tenho muita fé que ela vai conseguir realizar seus sonhos e esse trabalho pedagógico feito pela Seduc com certeza a ajudará bastante nesse processo”, acredita.

Natacha Cardoso, coordenadora do Núcleo de Educação Permanente do Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo (HOIOL) diz que o projeto Classe Escolar existe há mais de 20 anos no Estado e iniciou no Hospital Ophir Loyola, passando em 2025 para o HOIOL. O projeto atende a crianças em idade escolar de 6 a 19 anos, vindos das escolas estaduais Barão do Rio Branco (Ensinos Fundamental I e II) e Visconde de Sousa Franco (Ensino Médio), escolas de referência para o atendimento no hospital.

“Todo o atendimento é individualizado para que o aluno não tenha qualquer impacto no seu tratamento de saúde ou na sua vida social. Hoje temos 53 crianças matriculadas na Classe Hospitalar no atual ano letivo que são atendidas por 11 professores. Somos um hospital referência em oncologia pediátrica e nossos alunos são acometidos principalmente por leucemia, seguido de tumores cerebrais e linfomas”, informa a coordenadora.