Dr. Responde

SUS oferece congelamento de óvulos para mulheres com câncer

Foto: Reprodução/Canva
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RAÍSSA BASÍLIO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Uma das coisas que mais dá prazer para quem está dentro de um laboratório é justamente ver o embriãozinho na hora que vamos transferir [para o útero] e, depois, a mãe trazer a criança no colo”, conta Nilka Donadio, médica responsável pelo Laboratório de Reprodução Humana Assistida do Hospital da Mulher, em São Paulo. A especialista faz parte da equipe que oferece, via SUS (Sistema Único de Saúde), o congelamento de óvulos para mulheres que farão tratamento de câncer ou têm alguma condição que comprometa a reserva ovariana.
O Hospital da Mulher é uma das poucas instituições na cidade de São Paulo que fazem o procedimento de preservação de fertilidade de forma completamente gratuita. O procedimento é previsto pelo SUS, mas nem todas as mulheres que poderiam ter acesso a ele sabem dessa possibilidade. Isso porque elas não são orientadas pelos profissionais que as atendem no início do tratamento da doença. Aquelas que conseguem fazer têm conhecimento prévio do assunto ou recebem direcionamento de clínicas particulares para procurar o procedimento pela rede pública.
Em tratamento para o câncer de mama pelo SUS, a cabeleireira Ludmilla Matias, 26, não foi informada por seu médico responsável que era possível preservar a fertilidade gratuitamente. Ficou sabendo após contato da reportagem.
“Iniciei o tratamento aos 25 anos. A médica falou da possibilidade de congelar os óvulos, mas como precisávamos iniciar o tratamento o quanto antes, não seria possível. E também como não temos condições financeiras, não conseguiríamos fazer particular. Não sabíamos que o SUS tem esse tipo de tratamento, estou sabendo agora”, diz ela.
Segundo relatório divulgado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por meio do SisEmbrio (Sistema Nacional de Cadastro de Embriões), o Brasil conta com 161 Centros de Reprodução Humana Assistida (CRHAs), com apenas dez deles oferecendo o tratamento pelo SUS.
O procedimento não é uma garantia de gravidez futura, mas uma possibilidade que leva em conta idade, número de óvulos, histórico clínico da paciente e do parceiro, explica a médica do Hospital da Mulher.
“Eu posso preservar, ou seja, congelar óvulo, independentemente da idade. Mas a paciente tem que ter consciência que, se eu congelei um óvulo de uma paciente com 42 anos com câncer de mama, ela vai ter uma estatística, uma chance futura de gravidez, que pode ser diferente, claro, de uma paciente que teve o mesmo quadro que ela, mas que eu congelei com 35 anos”, diz Donadio.
A profissional destaca que os óvulos congelados não envelhecem e podem ser preservados por tempo indeterminado. Para realizar o procedimento, as pacientes passam por um ciclo de estimulação ovariana e coleta de óvulos antes de iniciar o tratamento quimioterápico.
O objetivo das instituições que realizam o procedimento é agilizar o processo de preservação de fertilidade e garantir que o tratamento não atrase o início da quimioterapia. No Hospital da Mulher, a meta é realizar a coleta de óvulos dentro de um intervalo curto, de cerca de 20 dias.
Quando realizado em instituições particulares, o custo médio do procedimento, incluindo medicações e a primeira anuidade do congelamento, é de aproximadamente R$ 24 mil, segundo uma pesquisa realizada pela IVF Brazil, consultoria de mercado especializada em reprodução humana.
Em 2023, na região Sudeste, foram preservados 89.629 óvulos de mulheres com menos de 35 anos e 136.414 acima dessa faixa etária. Desde 2020 até o presente momento, foram registrados 45.768 procedimentos de congelamento de óvulos, totalizando mais de 350.737 óvulos preservados.
Os Centros de Reprodução Humana Assistida (CRHAs) estão distribuídos em sete cidades brasileiras, sendo: São Paulo (Hospital da Mulher, Hospital das Clínicas de São Paulo e Hospital São Paulo da Unifesp), Ribeirão Preto (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto), Porto Alegre (Hospital Fêmina e Hospital das Clínicas de Porto Alegre), Brasília (Hospital Regional da Asa Sul), Natal (Maternidade Escola Januário Cicco), Goiânia (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás) e Belo Horizonte (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais).
Ana Claudia, 36, voluntária do Instituto Oncoguia, também não teve o serviço ofertado pela rede pública após receber o diagnóstico de câncer. Só soube que seria possível quando começou a pesquisar sobre o tratamento.
“Nenhum profissional me ofereceu. Eu descobri que a quimioterapia pode causar infertilidade pesquisando sobre o assunto na internet, porque meu maior sonho sempre foi ser mãe”, relata ela, que também fez a preservação de fertilidade no Hospital da Mulher.
Já a analista de recursos humanos Jaqueline Almeida, 29, conta que a parte mais difícil da notícia sobre o câncer foi saber que o tratamento poderia deixá-la infértil.
“Quando fui no cirurgião, eu já tinha visto os exames e estava preparada para o que ele ia me falar, mas quando ele me perguntou se eu tinha filhos, me doeu mais do que saber da doença”, diz. “O médico disse que, caso eu quisesse ter filhos algum dia, precisaria congelar os óvulos. Eu chorei muito, principalmente quando ele comentou do custo.”
Jaqueline só foi informada que o Hospital da Mulher oferecia procedimento de preservação de fertilidade de forma gratuita porque seu médico particular, do Hospital A.C. Camargo, tinha conhecimento disso. Com um encaminhamento, ela foi até a instituição e conseguiu realizar o procedimento. O A.C Camargo é uma unidade privada que possui convênio com SUS.
O fluxo de atendimento para pacientes de oncofertilidade e fertilização in vitro (FIV) começa com o encaminhamento por meio do sistema de regulação estadual, conhecido como Cross (Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde).
Pacientes oncológicas pulam a etapa de encaminhamento e são atendidas diretamente no ambulatório de preservação da fertilidade. O tratamento oncológico é avaliado e o estímulo para a preservação da fertilidade pode começar no mesmo dia da consulta.
“Eu não fui orientada pelo SUS para procurar o congelamento de óvulos”, conta Michelle Maria de Farias Dumas, 38, especialista em administração de empresas e estudante de psicologia, que congelou seus óvulos em 2020.
Dumas passou por dois diagnósticos de câncer, um de tireoide, aos 24 anos, e outro de mama, aos 34. No tratamento oncológico pelo SUS, não recebeu orientações sobre o congelamento de óvulos na rede pública. Ficou sabendo do procedimento por um médico particular que também acompanhava seu tratamento e, assim, conseguiu realizar a técnica.
“Quem me deu orientações foi um médico particular. Disse que por eu ser jovem poderia fazer o congelamento”, completa. Apesar de alguns atrasos com a pandemia de Covid-19, Dumas, moradora de Salvador, veio para São Paulo para congelar os óvulos no Hospital da Mulher.
Artur Dzik, médico líder do setor de Reprodução Humana Assistida do Hospital da Mulher, diz que o maior problema é a falta de comunicação sobre esse serviço entre os especialistas e pacientes, resultando em uma falta de encaminhamento adequado para as mulheres que poderiam se beneficiar dele.
“Os médicos [das mulheres supracitadas] deveriam tê-las informado da possibilidade da preservação de fertilidade. Não há uma dificuldade da nossa parte [como Hospital da Mulher]. É uma informação médica, de domínio público”, afirma. Ele ressalta que o Hospital da Mulher está recebendo pacientes de outros hospitais estaduais para realizar o congelamento de óvulos, visando atender à demanda crescente por preservação oncológica.
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo foi procurada pela reportagem acerca do assunto e respondeu que o Hospital da Mulher passou a ofertar o serviço de congelamento de óvulos pacientes encaminhadas de outras unidades no início deste ano, via Cross, como citamos acima.
“O Hospital da Mulher também intensificou a comunicação interna da unidade, para ampliar o alcance dos serviços de congelamento de óvulos às pacientes que, de acordo com critérios médicos da unidade, iniciem o tratamento de combate ao câncer e que queiram preservar sua fertilidade”.
O Ministério da Saúde, consultado sobre a falta de comunicação para pacientes com câncer sobre a opção de preservação de fertilidade gratuita via SUS, não retornou os contatos até a publicação desta reportagem.