Fábio Nóvoa

As diversas faces da banalidade do mal

A maior genialidade de “Zona de Interesse”, interessante trabalho do diretor Jonathan Glazer, está em tirar o elefante da sala e botar nas nossas costas, bramindo nos nossos ouvidos. Ignorar o mal que nos cerca não vai fazer com que ele vá embora. Você pode até tentar viver na sua normalidade, mas no mundo todo, o ser humano continuará cometendo atrocidades, em uma repetição histórica ad infinitum.

Os crimes contra a humanidade cometidos pelos nazistas estão lá, mesmo que muita gente queira esquecê-los ou defendê-los, mesmo timidamente, ainda nos dias de hoje, usando a internet e os palanques para isso. Assim como existem diversos crimes de guerra sendo cometidos, na atualidade, enquanto conversamos sobre amenidades na sala de jantar.

Na primeira cena do filme, enquanto a família de um comandante alemão se diverte em um bosque, no prédio ao lado, judeus inocentes são exterminados, e aí já descobrimos que se trata de um campo de concentração nazista e que as pessoas que vivem naquele ambiente bucólico, procuram ignorar os gritos e tiros ao lado do muro, em uma alienação coletiva.

O importante é apontar os contrastes entre o visto e o ignorado. Por mais que saibam da natureza do mal e da banalidade do mesmo, a família nazista considera, vejam só, que pequenos atos de caridade, como doar roupas aos empregados judeus, limpariam a própria consciência, mesmo que por trás das janelas, urros de pavor, revolta e o cheiro da morte das fumaças entranhem o ambiente.

Glazer se acomoda em um ambiente para denunciar outro e usa os artifícios do cinema para isso, como o espetacular design de som e a fotografia, para incomodar nossos sentidos, já bastante afetados pela realidade do outro lado. É uma agonia subliminar, que de relance em relance, barulho por barulho, se forma no nosso subconsciente.

E, claro, é importante atentar para a performance irretocável de Sandra Huller, que conseguiu a proeza em dois projetos distintos, mas absolutamente exitosos em termos cinematográficos (Além desse, ela concorreu ao Oscar de atriz por “Anatomia de Uma Queda”). Huller consegue criar personagens tão diferentes entre si, entre o emocional e a postura impávida, com sua persona ao mesmo tempo fria e submissa ao marido.

“Zona de Interesse” é um dessas grandes obras que marcam não apenas pelas suas qualidades, mas também pelos seus defeitos, que aqui são absolutamente propositais em termos estéticos, semióticos e éticos. Sendo indicado para 5 Oscars (Direção, Roteiro Adaptado, Som, Filme e Filme Internacional). O filme já está disponível no catálogo do Amazon Prime.

“Zona de Interesse” chegou ao streaming na última semana, pelo Prime Vídeo. foto: divulgação