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Serena cai no US Open e se despede das quadras

Foto: Divulgação
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Serena Williams, 40, é uma ex-jogadora de tênis.
Aquela que é apontada por quase todos os analistas como a maior jogadora da história da modalidade encerrou sua excepcional carreira na noite de sexta-feira (2). Na terceira rodada do US Open, perdeu para a australiana Ajla Tomljanović, 46ª do ranking mundial, por 2 sets a 1, parciais de 7/5, 6/7 e 6/1.

O Arthur Ashe Stadium, em Nova York, foi o palco apropriado para o adeus. No mesmo local, em 1999, aos 17 anos, norte-americana iniciou o reinado que a fez uma figura icônica do tênis, do esporte, das mulheres e das negras. A partir do triunfo no século passado, construiu uma carreira excepcional, quebrando tabus enquanto colecionava admiradores e títulos.

“Foi uma jornada incrível”, afirmou, em lágrimas na entrevista após o duelo. “São lágrimas de felicidade, eu acho. Não sei. E eu não seria Serena se não fosse Venus. Obrigado, Venus”, disse.

Questionada se voltaria às quadras um dia, ela disse: “Acho que não, mas nunca se sabe. Não sei.”

Foram 23 conquistas de simples na série Grand Slam, que reúne os quatro principais torneios do tênis. Maior campeã da era aberta, ela tem uma taça “major” a menos do que Margaret Court -13 dos 24 troféus da australiana foram erguidos na era amadora, até 1968-, porém poucos questionam sua posição com o principal nome feminino da modalidade.

“Ela está no panteão dos GOATs”, disse o ex-tenista John McEnroe, 63, citando o acrônimo comumente utilizado nos Estados Unidos para “greatest of all time” ou “maior de todos os tempos”.

“Billie Jean King, Muhammad Ali, Tom Brady. É aí que Serena está”, afirmou McEnroe. “Ela se tornou uma espécie de ícone dos ícones. E provavelmente aconteceu mais tarde do que ela merecia, mas é onde está.”

Tardou porque mulheres fortes -mental e fisicamente- causavam estranheza na virada do milênio. Ainda causam. Mas o mundo mudou entre o primeiro título e o último jogo de Serena no complexo de Flushing Meadows, e não é exagero dizer que ela teve algo a ver com isso.

“Que tipo de mulheres atletas queríamos ver nas telas de nossas tevês?”, questionou Christine Brennan, 64, prestigiada colunista do jornal USA Today. “Houve um momento em que músculos nas mulheres não eram a preferência nem eram celebrados. Mulheres grandes, altas, fortes, atléticas, não eram valorizadas na sociedade, nem mesmo nos esportes.”

Foram 23 conquistas de simples na série Grand Slam, que reúne os quatro principais torneios do tênis. Foto: Divulgação

Em um jogo historicamente branco e elitista, o impacto de Williams foi profundo. Com seu talento, acabou tornando coadjuvante a irmã mais velha, a muito talentosa Venus. Com sua atitude, inspirou toda uma geração, meninas que cresceram e viraram suas adversárias, como a algoz derradeira, Kontaveit, 26.

“Quando eu estava crescendo, era diferente o que se valorizava”, disse Serena, em 2020, à versão britânica da revista Vogue. “A Venus se parecia mais com o que era realmente aceitável. Ela tem pernas incrivelmente longas e é muito, muito, magra. Eu não via na tevê pessoas que se pareciam comigo, que eram mais grossas. Não era uma imagem corporal positiva. Era outra era.”

A era mudou, o século virou, e Serena se estabeleceu como uma força no esporte. E a palavra força parece resumir a craque do tênis, em maneiras figurativas e literais. Se tinha personalidade para chamar a atenção -até o último jogo, fez questão de ditar moda, com vestidos desenhados por si-, tinha também uma pancada sem precedentes.

Para McEnroe, comentarista da ESPN norte-americana na cobertura do US Open de despedida da lenda, ela transformou o jogo. Sua influência, diz ele, é semelhante à provocada no basquete por Stephen Curry, cujos arremessos de três pontos ajudaram a reconfigurar os conceitos táticos da NBA.

“A Serena levou a coisa a outro nível, porque ela tinha o melhor saque da história, melhor do que o de muitos caras”, afirmou o ex-tenista. “Eu a compararia, pela mudança que causou, com o Steph Curry. Todo o mundo está chutando de três agora, mas ninguém o faz tão bem quanto ele.”

A norte-americana Chris Evert, 67, que liderou o ranking nos anos 1970, é outra que põe Williams no nível das lendas do esporte, como Muhammad Ali.

“Eu a colocaria ali em termos de influência, pelo fato de ter revolucionado o jogo e por ter influenciado meninas e mulheres ao redor do mundo. Esse é o tamanho da estrela. Ela é uma superestrela. O que mais me impressiona é a influência fora da quadra, como ela levou jovens mulheres a ter sua força, a dizer o que pensam, a não ter medo”, afirmou Evert.

Mas Serena está com medo.

Serena se despede das quadras com porta aberta a retorno. Foto: Divulgação

Ela tem sido honesta a respeito da aposentadoria, sem nenhuma tentativa de glamorizá-la. Williams vê um claro conflito entre a carreira, que chegou ao fim, e a família. O desejo de dar um irmão ou uma irmã à filha Olympia, que completa cinco anos nesta quinta, foi o principal motivo que a levou a encerrar sua trajetória excepcional nas quadras.

“Acredite em mim, eu nunca quis escolher entre o tênis e uma família, não acho que seja justo. Se eu fosse um cara, não estaria escrevendo isto, estaria por aí jogando e ganhando minha vida enquanto minha mulher estaria fazendo o trabalho físico de expandir nossa família”, publicou a norte-americana, no texto em que anunciou os planos de dar tchau.

Ela deu.

O tênis, o esporte e o mundo são diferentes do que eram quando ela apareceu em Flushing Meadows pela primeira vez.

Fonte: Folhapress