Pará

Cobertura vacinal infantil preocupa

Programa Nacional de Imunizações possui 20 vacinas, disponíveis de forma gratuita FOTO: ANTÔNIO MELO
Programa Nacional de Imunizações possui 20 vacinas, disponíveis de forma gratuita FOTO: ANTÔNIO MELO
Programa Nacional de Imunizações possui 20 vacinas, disponíveis de forma gratuita FOTO: ANTÔNIO MELO

Cintia Magno

As cerca de 20 vacinas que integram o Programa Nacional de Imunizações (PNI) estão disponíveis, de forma gratuita, nas unidades de saúde em todo o país. Apesar disso, a cobertura vacinal infantil vive momentos preocupantes no Brasil. Dados levantados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontam que desde 2015 a vacinação de rotina para crianças menores de 5 anos vem sofrendo quedas. Mas quais são os reais riscos envolvidos nesta baixa adesão à vacinação das crianças?
Desde que foram desenvolvidas, as vacinas foram responsáveis por fazer com que o país se livrasse de doenças graves e que, por muito tempo, foram as principais causas de mortalidade infantil. A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, lembra que num passado não muito distante a expectativa de vida do brasileiro aumentou em 40 anos, em um curto espaço de tempo, e um dos fatores que mais contribuíram para isso foi a vacinação infantil, que permitiu que as crianças não morressem e se tornassem adultas.
Diferente do período em que ainda não se dispunha de imunizantes para tais doenças, hoje não faltam vacinas nos postos de saúde. Entretanto, o país enfrenta uma adesão à vacinação infantil muito abaixo da necessária para se manter o controle conquistado, com tanto esforço, anos atrás. “Se há vacina e não há vacinação, não acontece nada. É aí que vem a questão da cobertura vacinal”, aponta Isabella. “Quando você tem poucas pessoas vacinadas, parte dessas poucas pessoas fica protegida, algumas delas não ficam porque vacina não é 100%, e o restante da população que não está vacinada adoece, permitindo que o vírus continue circulando. Já quando se tem a maioria da população vacinada, mesmo aquelas poucas pessoas que não puderam tomar a vacina porque apresentam alguma contraindicação, não têm acesso ao vírus porque, com a maioria vacinada, o vírus não circula. É por isso que tem que ter cobertura vacinal mínima”.
De acordo com a médica pediatra, a cobertura mínima preconizada para as vacinas que compõem o calendário básico de vacinação infantil é de 95%, exceto para as vacinas BCG e Rotavírus, em que a cobertura mínima é de 90%. Isso significa que, para que haja um controle da doença e a população fique protegida, pelo menos 90% a 95% das crianças na faixa etária indicada para cada vacina precisam estar imunizadas.
O problema é que o país não tem conseguido atingir tais percentuais mínimos nos últimos anos. Em 2021, a taxa de cobertura vacinal total do Brasil ficou em 59,86%, número menor do que os 67,27% registrados em 2020. No caso específico da vacina BCG, que protege contra formas graves da tuberculose e cuja cobertura mínima preconizada é de 90%, o país alcançou uma cobertura vacinal de apenas 69,16% no ano passado. Outra doença que preocupa é a poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, entre outras imunopreveníveis. “A gente vivencia um alto risco do retorno da poliomielite; já estamos vendo surtos locais de meningite, que também tem vacina; difteria já tem países perto da gente voltando a ter casos, enfim, essas doenças que são preveníveis por vacina, se a gente não tiver cobertura, elas vão voltar”, alerta a vice-presidente da SBIm.
Acompanhando a realidade nacional, o Estado do Pará também vivencia situações de baixa adesão da população às vacinas do calendário infantil, mesmo que não haja registros de falta de imunizantes nas unidades municipais de saúde. A diretora interina do Departamento de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), Leila Flores, aponta que o cenário preocupa já que as doenças imunopreveníveis precisam estar sob controle para que não voltem a circular. “A poliomielite já está erradicada no nosso país, mas tem outros países no mundo que têm ocorrência de casos e se a gente continuar mantendo coberturas baixas no país como um todo, e no Estado, a gente corre o risco de que a doença seja reintroduzida no país”.
Quando analisada a série histórica, Leila aponta que é possível fazer uma relação entre a diminuição da procura pelas salas de vacinação e a pandemia da Covid-19. Com a pandemia controlada justamente através da vacinação, porém, é preciso preencher a lacuna. “Com o avançar da pandemia, as salas de vacina das unidades municipais de saúde sofreram uma grande baixa porque as pessoas ficaram dentro de casa, muitas mães e pais ficaram com medo e isso diminuiu consideravelmente o número de atendimentos nas unidades, levando a ter baixas coberturas”, considera. “A pandemia não acabou, mas está controlada e a gente precisa resgatar essas coberturas não só de BCG, como todas as outras vacinas que se encontram em baixa cobertura vacinal”.
Apesar do inegável impacto da pandemia, Leila Flores evidencia que a baixa cobertura vacinal é um fenômeno multifatorial. É preciso considerar, também, que a população, ao ver que não há mais a ocorrência corriqueira dessas doenças como antigamente, pode acabar acreditando equivocadamente que não é preciso mais vacinar. “Tem essa questão da desinformação acerca da importância da vacinação e, às vezes, também escutamos algumas fake news que são difundidas por esses grupos antivacina e que acabam gerando uma resistência. Então, são muitos fatores que contribuem para isso, mas precisamos continuar lutando para que a nossa população possa ser protegida”, aponta. “Quando a gente tem a nossa população protegida, a gente reduz o risco de reintrodução de doenças já erradicadas, a gente também reduz o custo financeiro em hospitalização, em ações urgentes para controles de surtos, além evitar o elevado custo emocional de perder uma pessoa para uma doença que é imunoprevenível, então, é preciso ter esse olhar completo para a vacinação”.
A representante da Sespa lembra que, para que a população tenha tais vacinas à sua disposição nas unidades de saúde, há todo um esforço conjunto do Ministério da Saúde, do Estado e dos municípios. “O Estado está sempre abastecido com as vacinas que são fornecidas pelo Ministério da Saúde. Apesar do nosso Estado ter uma geografia toda especial, as vacinas chegam nos mais distantes locais para que as salas possam ser abastecidas e a população protegida. Então, há um esforço muito grande para poder abastecer os municípios e os pais e responsáveis precisam levar seus filhos para vacinar”.

País vive sob o risco de retorno de casos de poliomielite
Quando se trata de conscientização para a importância da manutenção de uma cobertura vacinal mínima, a poliomielite, ou paralisia infantil, está no foco das atenções dos órgãos de saúde e a preocupação não é à toa. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o risco de retorno da paralisia infantil está cada vez mais próxima do Brasil.
O especialista em saúde e HIV do Unicef na Amazônia Legal, Antônio Carlos Cabral, explica que a paralisia infantil é uma doença endêmica em dois países, o Afeganistão e o Paquistão, e a grande preocupação atual está na expansão geográfica da circulação desse vírus por outros países. “Estamos com um caso nos Estados Unidos (EUA), caso em Israel e recentemente foi encontrada amostras do vírus em esgotos de Londres e de Nova Iorque. Ou seja, a gente vê a aproximação da poliomielite e isso tem deixado muita preocupação”, explica. “Estamos com seis países com risco alto de volta da poliomielite: o Brasil, a Bolívia, o Panamá, Paraguai, Argentina e Equador. E quem diz isso não sou eu ou a Unicef, é a Organização Pan-Americana da Saúde (OPA) diante das taxas de coberturas vacinais”.
Antônio Carlos destaca que não há registro de casos de paralisia infantil no Brasil desde 1989 e o país era tido como referência como um dos mais bem sucedidos no que se refere à cobertura vacinal, mas desde 2015 vem sendo registradas baixas nas coberturas vacinais. “Com exceção de 2018, todos os outros anos até os dados mais recentes mostram que a gente não atinge a meta de 95%, que é a meta de cobertura de quase todas as vacinas e também da poliomielite”, aponta. “Para se ter uma ideia, em 2015 essa cobertura era de 98,3%, ou seja, além da meta preconizada e em 2021 era de 69,9%. Se a gente for analisar, 30% das crianças não foram vacinadas em 2021 e 40% não receberam o reforço das vacinas”.
O especialista em saúde reforça que, para o Unicef, é inadmissível perder crianças e, mais ainda, perder crianças por doenças imunopreveníveis. “É uma situação de grande preocupação e de grande alerta em relação às vacinas de uma forma geral, mas destaco que fazemos esse foco na poliomielite, na paralisia infantil”, destaca. “O que se mostrou durante os anos em que havia ocorrência de poliomielite é que uma a cada 200 infecções leva a uma paralisia irreversível, geralmente nas pernas. Além disso, 5% a 10% de crianças que contraíram a poliomielite, morreram por paralisia dos músculos respiratórios. Então, isso é muito grave e a população não sabe disso”.
Para contribuir com os esforços das diferentes esferas de governo em busca do combate às baixas taxas de cobertura vacinal, Antônio Carlos aponta que o Unicef vem realizando parcerias para disponibilização de uma plataforma que possibilite a busca ativa dessas crianças que ainda não foram imunizadas. “Uma das coisas que o Unicef tem feito para fazer esse enfrentamento, entendendo a vacina como um direito da criança, foi criar uma iniciativa denominada Busca Ativa Vacinal (BAV), onde a gente fornece uma plataforma tecnológica e inovadora para apoiar os governos locais, os municípios”, explica. “O grande objetivo é identificar, registrar, monitorar crianças que não foram imunizadas ou que estão em risco de não receberem as vacinas e essa plataforma será lançada daqui a um mês. Tem vacinas nas unidades de saúde, então, se as pessoas não estão procurando as unidades de saúde, é preciso fazer a busca ativa, entender onde está essa população e convencer essas famílias sobre o quanto a vacinação de rotina é importante”.

COBERTURA
POR VACINA
Brasil (2021)
BCG – 69,16%
Hepatite B em crianças até 30 dias – 62,17%
Rotavírus Humano – 70,48%
Meningococo C – 70,91%
Hepatite B – 70,44%
Penta – 70,44%
Pneumocócica – 73,47%
Poliomielite – 69,94%
Febre Amarela – 57,66%
Hepatite A – 66,88%
Pneumocócica (1º reforço) – 65,38%
Meningococo C (1º reforço) – 67,99%
Poliomielite (1º reforço) – 59,86%
Tríplice Viral D1 – 73,50%
Tríplice Viral D2 – 51,66%
Tetra Viral – 5,74%
Tríplice Bacteriana (1º reforço) – 62,79%
Fonte: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/ SVS/MS). Dados atualizados em 31/08/2022. Disponível em: http://tabnet.datasus. gov.br/cgi/webtabx. exe?bd_pni/cpnibr.def

COBERTURA VACINAL TOTAL NO BRASIL
2022 (até agosto) – 47,49%
2021 – 59,86%
2020 – 67,27%
2019 – 73,44%
Fonte: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/ SVS/MS). Dados atualizados em 31/08/2022. Disponível em: http://tabnet.datasus. gov.br/cgi/webtabx.exe? bd_pni/cpnibr.def