Videolocadora - Carlos Eduardo Vilaça

“Mad Men”, a arte da persuasão e a necessidade de se reinventar

Anos 60. Época de profundas mudanças na sociedade dos Estados Unidos. É possível sentir o pano de fundo político e cultural em plena ebulição enquanto os personagens tocam suas vidas com as preocupações mundanas de sempre, que envolvem relações familiares, amorosas e a tríade trabalho-dinheiro-poder. Uma época em que o sonho americano atingia o topo da sua curva ascendente e estava prestes a revelar a sua face obscura. Daí a importância das aparências e dos homens e mulheres da Madison Avenue, os ‘Mad Men’, publicitários que sabiam como ninguém vender o ‘american way of life’.

Dentro desse contexto, Don Draper se destaca. Ele é a força-motriz, move as ações, provoca reviravoltas e altera o destino de quem dele se aproxima – para o bem ou para o mal. É a personificação da efervescência do período. Tudo que acontece externamente se transforma em um conflito interno para Draper. E é este o motivo principal de “Mad Men” ser uma série tão fantástica, já que atua nessas ‘duas frentes’ para seduzir e fidelizar a audiência, no que pode ser considerado um exercício de metalinguagem, levando-se em consideração o árduo trabalho de persuasão de Draper e sua equipe.

A série foi exibida em sete temporadas, entre 2007 e 2014 e entranha em seu organismo como o uísque e a nicotina que os seus personagens avidamente consomem. Ao longo desse tempo, “Mad Men” me envolveu com a sua capacidade de retratar tão bem uma década passada e, ao mesmo tempo, dialogar com o presente. Sim, pois o embate entre o moralismo/conservadorismo vigente e a nascente liberação dos costumes, faz refletir sobre como tudo isso ainda é uma discussão atual.

Mas voltemos a Draper. Durante toda uma década, ele foi um homem que tentou a todo custo esquecer o seu passado. Fruto de um lar disfuncional e desertor da Guerra da Coreia, criou um personagem para si. Imutável. Alheio a toda aquela efervescência cultural e social. Enquanto o jogo de aparências ao seu redor era descortinado e atitudes ousadas vinham à tona, ele empreendia malabarismos para lidar com as novas situações de modo que tudo permanecesse exatamente igual, ao seu gosto. O príncipe de Falconeri, de Lampedusa, ficaria orgulhoso do protagonista de ‘Mad Men’, que narrou, essencialmente, a jornada deste homem – seu apogeu, declínio e redenção.

A dificuldade de Draper em aceitar as mudanças, em se adaptar, cobrou pouco a pouco o seu preço. Desde a primeira temporada, percebemos a sua fragilidade e incapacidade no trato com seus demônios interiores. Enquanto exercia fascínio e poder sobre amigos, inimigos, clientes em um inebriante universo da publicidade e mulheres com quem se envolvia de forma fugaz, revelava uma imaturidade surpreendente para conduzir o seu destino, com fugas reais e metafóricas, que resultaram em um processo de decadência pessoal e profissional. Assim, Don se viu em um abismo, tragado pelos seus atos ou omissões. Perdeu o amor da família, o emprego, a credibilidade…

Ele precisava se reinventar. ‘A evolução das ideias é uma série de fugas da tirania dos hábitos mentais e das rotinas estagnadoras’, já dizia o jornalista e escritor Arthur Koestler. E para conseguir sair da redoma da mediocridade em que se prendeu, Don precisava voltar ao início, se reencontrar e fazer as pazes com Dick Whitman, seu ‘eu anterior’. Até porque a ‘evolução mental’, ainda segundo Koestler, é caracterizada justamente ‘por uma regressão temporária a formas mais primitivas e desinibidas de ideação, seguidas pelo salto criativo para a frente’. Abraçar o mundo novo – e estar aberto a ele – era, portanto, uma obrigação.

E que mundo! Um mundo com a marca da contracultura, da ascensão dos movimentos negro e feminista, da Guerra do Vietnã, dos hippies… Enquanto Don se engessava teimosamente em sua persona ultrapassada, os personagens à sua volta evoluíam, reviam conceitos e valores, principalmente as mulheres. Peggy, Joan, Betty e Sally viveram jornadas empolgantes e de afirmação, tomando as rédeas das suas vidas. Submissão? Papel pré-definido na sociedade? Nada mais seria como antes.

‘Mad Men’ pode ser considerada, então, um rito de passagem. Todos os personagens rumam a uma nova era. A transformação é inevitável. Por bem ou por mal, devem aceitar as mudanças e se adaptar. E se ‘o melhor da vida é de graça’, como cantarolou Bert Cooper para Don em uma cena icônica na reta final, tudo o que surgir pelo caminho – entre problemas e pessoas – é válido como experiência, como aprendizado. E, para Don Draper, compreender isso é fundamental em busca da sua identidade e de sua redenção.

ONDE ASSISTIR

  • As sete temporadas de “Mad Men” podem ser vistas pelo streaming da MGM, por meio do Amazon Prime Video ou da Apple TV.

FALE COM O COLUNISTA