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Governo prevê déficit de 0,1% do PIB em 2024 e anuncia bloqueio de R$ 2,9 bi

O valor representa uma alta de 6,37% em relação ao piso atual. Hoje, o mínimo é de R$ 1.412. O novo salário foi antecipado pela Folha de S.Paulo.
FOTO: DIOGO ZACARIAS / MF
O valor representa uma alta de 6,37% em relação ao piso atual. Hoje, o mínimo é de R$ 1.412. O novo salário foi antecipado pela Folha de S.Paulo. FOTO: DIOGO ZACARIAS / MF

Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes/Folhapress

 

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta sexta-feira (22) um bloqueio de R$ 2,9 bilhões nos gastos do Orçamento de 2024 para evitar um estouro no limite de despesas previsto no novo arcabouço fiscal.
Por outro lado, as estimativas para o desempenho da arrecadação permitiram ao Executivo apresentar o primeiro relatório bimestral com um resultado primário dentro da meta fiscal, que tem como alvo central o déficit zero, mas permite uma flutuação até 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto) para mais ou menos.
Os dados oficiais indicam um déficit de R$ 9,3 bilhões, o equivalente a -0,1% do PIB. Embora pior do que o superávit de R$ 9,1 bilhões aprovado no Orçamento, o resultado segue dentro do intervalo de tolerância da meta defendida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
“Não é sinal de conforto, mas de que as contas públicas estão sob controle”, disse o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, em entrevista coletiva para comentar os resultados. Segundo ele, a situação é de “equilíbrio”.
Os números do governo mostram uma perspectiva mais otimista do que a do mercado financeiro, que espera um déficit de 0,75% do PIB para este ano, diante da expectativa de arrecadação menor.
Para sustentar esse cenário e não colocar em risco o alcance da meta fiscal, o Executivo incorporou ganhos de arrecadação com medidas adotadas no fim do ano passado com o objetivo de amortecer perdas reconhecidas em outras iniciativas. Além disso, a equipe econômica manteve projeções vistas com ceticismo pelo mercado.
Do pacote de R$ 167,6 bilhões em medidas anunciado em 31 de agosto do ano passado para fechar as contas do Orçamento, o governo manteve R$ 144,33 bilhões e ainda acrescentou outros R$ 24 bilhões esperados com o limite para o uso de créditos judiciais pelas empresas para reduzir os tributos a pagar. Prevista em MP (medida provisória) editada em dezembro, a iniciativa não contava até então com nenhuma estimativa de impacto.
Com isso, o saldo total do pacote de Haddad seria até maior, chegando a R$ 168,33 bilhões.
O governo também incluiu o ganho de R$ 6 bilhões com o fim do Perse, programa que zerou tributos para o setor de eventos e que, segundo a Receita Federal, vem sendo utilizado indevidamente por empresas até de outros segmentos. Essa medida, porém, ainda é alvo de negociação com o Congresso Nacional e pode ter seus valores alterados.
Por outro lado, o Executivo admitiu que não vai arrecadar os R$ 10 bilhões inicialmente esperados com o fim do JCP (Juro sobre Capital Próprio), usado pelas empresas para remunerar acionistas recolhendo menos tributos. A medida foi rejeitada pelo Legislativo, que aprovou apenas ajustes na regra já vigente, e a Receita Federal zerou qualquer perspectiva de ingresso de recursos com a mudança.
Houve ainda redução na expectativa de arrecadação com a taxação dos incentivos do ICMS, imposto estadual. O governo havia incluído R$ 35,34 bilhões em receitas com essa medida no Orçamento, valor que caiu a R$ 25,8 bilhões.
O governo também excluiu a previsão de R$ 2,86 bilhões com o programa Remessa Conforme, estimativa que contemplava uma previsão de taxar as compras internacionais de até US$ 50 feitas por pessoa física, hoje isentas. A secretária-adjunta do Tesouro Nacional, Viviane Varga, disse que a opção do governo foi manter no relatório apenas ações já em curso, mas não se comprometeu com uma sinalização de que o governo desistiu de tributar essas mercadorias.
Cifras vistas com ceticismo por economistas do mercado foram mantidas ou até majoradas. A expectativa de arrecadação com a retomada do voto de qualidade (desempate decidido pelo representante da Fazenda) no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) passou de R$ 54,7 bilhões para R$ 55,65 bilhões.
Há ainda uma estimativa de R$ 43,2 bilhões com acordos tributários firmados por Receita Federal e PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) com contribuintes.
Questionada pelos jornalistas, Varga disse não ter informações de quanto disso já ingressou efetivamente nos cofres da União.
Fora do pacote de Haddad, o governo havia previsto no Orçamento receitas de R$ 44,4 bilhões com concessões e permissões, valor que contemplava R$ 34,5 bilhões com a repactuação de contratos de ferrovias. Até agora, o governo só fechou um acordo de R$ 1,5 bilhão com a Rumo. Por isso, a decisão foi cortar o valor das ferrovias à metade (R$ 17,25 bilhões). A projeção total das concessões caiu a R$ 31,6 bilhões.
Por outro lado, o governo também espera receitas maiores com a contribuição previdenciária (R$ 8,6 bilhões) e outras receitas administradas (R$ 13,7 bilhões) -rubrica que inclui os depósitos judiciais repassados pela Caixa e que começaram a ser pagos em janeiro.
O saldo final foi uma redução de R$ 16,8 bilhões nas receitas líquidas do governo, já descontadas as transferências para estados e municípios. “Não tem como fazer leitura negativa da situação fiscal, mas estamos atentos, temos que ser prudentes e analisar”, disse Varga.
O relatório de avaliação de receitas e despesas foi divulgado pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda.
Mesmo com todo o esforço para manter o resultado dentro da meta fiscal, houve aumento das despesas obrigatórias, o que tornou o bloqueio de despesas necessário.
Nessa situação, é preciso conter gastos discricionários (que incluem custeio e investimentos públicos) para manter o montante total dentro dos limites do arcabouço. O detalhamento das áreas afetadas será feito em decreto a ser editado por Lula até o fim de março.
A necessidade de congelar cerca de R$ 3 bilhões para cumprir as regras do novo arcabouço foi antecipada pela Folha de S.Paulo. O cenário inicial era de um bloqueio entre R$ 5 bilhões a R$ 15 bilhões, mas a economia de recursos com a revisão de gastos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) gerou um fôlego um pouco maior do que vinha sendo esperado.
O secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, Sergio Firpo, disse que o INSS indiciou uma possibilidade de poupar entre R$ 9 bilhões e R$ 14 bilhões com a revisão, mas a opção foi incorporar o menor número às estimativas do relatório.
Com isso, o gasto com benefícios previdenciários (incluindo sentenças judiciais e compensações) subiu R$ 5,6 bilhões, já que a concessão de novos benefícios está subindo -ou seja, a economia com a revisão apenas mitiga esse impacto.
Por outro lado, o gasto com apoio financeiro a estados e municípios caiu R$ 8,1 bilhões em relação ao inicialmente programado no Orçamento. O Executivo antecipou, em 2023, a parcela que seria paga neste ano.
Sob o ponto de vista técnico, o bloqueio não é o mesmo que um contingenciamento, modalidade de trava usada quando as perdas de arrecadação colocam em risco o alcance da meta fiscal. Como o resultado primário está dentro do alvo, esse instrumento não precisou ser utilizado pelo governo.
Além disso, o bloqueio pode eventualmente ser revertido nos próximos meses, caso o governo consiga reduzir alguma despesa obrigatória ou preencha os requisitos para a abertura de um crédito suplementar de até R$ 15 bilhões no mês de maio, usando uma prerrogativa prevista na lei complementar do arcabouço fiscal.
A regra permite o uso desse espaço em caso de alta na arrecadação, mas condiciona sua efetivação ao cumprimento da meta.
A equipe econômica tem a expectativa de que o primeiro relatório consolide um cenário mais benigno para as contas públicas, muito diferente das preocupações de poucos meses atrás, quando o debate fiscal era sobre o tamanho do contingenciamento que Haddad teria de fazer para cumprir a meta de déficit zero.
Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada no início de fevereiro, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, antecipou que os ganhos de arrecadação ajudariam o governo a fechar o primeiro relatório com um contingenciamento próximo de zero. A estratégia agora é usar esse fôlego para adiar ou até afastar qualquer eventual debate sobre flexibilização da meta fiscal.

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO
O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).
Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.
Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.
Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.
Na prática, porém, o efeito acaba sendo o mesmo: o congelamento de recursos disponibilizados aos ministérios.
**Como funciona o bloqueio**
O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).
Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nas discricionárias para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.
**Como funciona o contingenciamento**
O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas.
Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.
**Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?**
Sim. Não é este o cenário atual, mas é possível que, numa situação hipotética de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Neste caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.