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Virtuose Gabriele Leite se apresenta neste sábado em Belém

Gabriele chega a Belém neste sábado, 16, em sua primeira visita à capital paraense, como uma estrela da música de concerto
Gabriele chega a Belém neste sábado, 16, em sua primeira visita à capital paraense, como uma estrela da música de concerto

Da Redação*

Aos 26 anos, Gabriele Leite é considerada o atual prodígio brasileiro do violão clássico. Destaque na lista “Under 30” da revista “Forbes” em 2020 e artista brasileira selecionada para o ClassicalNEXT, o maior evento da música clássica contemporânea, em Berlim, na Alemanha, a paulista hoje é doutoranda em Performance Musical pela renomada Stony Brook University, em Nova York, cidade aonde chegou em 2020, após ser aceita no mestrado em Performance Musical da Manhattan School of Music, com bolsa integral da Sociedade Cultura Artística.

Gabriele chega a Belém neste sábado, 16, em sua primeira visita à capital paraense, como uma estrela da música de concerto, para encerrar aqui sua turnê de divulgação do seu elogiado álbum de estreia, “Territórios” – lançado em novembro passado pela gravadora Rocinante -, depois de ter passado por Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Olinda.

Com entrada franqueada ao público, às 20h, na Sala Augusto Meira Filho do Arte Doce Hall, Gabriele vai tocar obras dos compositores brasileiros Sérgio Assad, Edino Krieger e Heitor Villa-Lobos e do inglês William Walton, que interpreta em “Territórios”, “peças de alta dificuldade técnica e que já foram gravadas por grandes nomes do violão mundial, mas quis trazer o meu ponto de vista e meu discurso”, explica a jovem musicista.

O Você convidou o violonista paraense Gabriel Maués*, bacharel em Violão Clássico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente radicado em Niterói (RJ), para entrevistar Gabriele Leite sobre o disco, o concerto, sonhos e desafios, numa conversa especial entre dois violões. Confira a seguir.

P Como foi o processo de selecionar essas obras? Já faziam parte do teu repertório ou buscastes outros ares? Havia um tema por trás desse repertório?

R É a parte mais difícil quando você vai gravar um disco. No conservatório ou na Unesp eu sempre ficava pensando em qual música aprenderia para provas, recitais, e qual dessas músicas encaixou na mão. E quando você é estudante, acaba passando por um repertório muito vasto de violão clássico. Quando tomei essa decisão do que ia gravar, foi muito difícil. Mas o João [Luiz Rezende Lopes] que foi o meu principal mentor na construção do disco, disse que eu tinha que levar o sentido extramusical, músicas que levassem uma mensagem da Gabriele para o público, e isso me tocou muito. Pensei, se é assim, já tenho a “Melodia Sentimental” do (Heitor) Villa-Lobos, e “Ritmata”, do Edino Krieger, que foram músicas que gostei muito do processo de estudo, me tiraram da zona do conforto de frases, condução, de tocar uma música que não foi escrita para o violão, e sim uma adaptação. Principalmente essas duas, eram minhas peças favoritas e tinham coisas minhas nela. Mas o Walton, com as “Cinco Bagatelas”, e o [Sérgio] Assad foram peças para trazer para o violão clássico in natura, são dificílimas tecnicamente, especialmente as “Bagatelas”, que tem um monte de gravações de grandes intérpretes. Eu fui… sabe aquela coisa, “vamos arriscar, é o primeiro álbum”? E o [Sérgio] Assad, na verdade, veio como um presente. Porque desde a primeira vez que ele me viu, com 17 anos, no Conservatório de Tatuí, toquei, ele enlouqueceu, falou “você tem que ir para fora do Brasil, mostrar a sua arte pra outras pessoas”. Ele foi a primeira pessoa que botou uma sementinha. Foi uma ousadia minha tocar a Sonata do Assad, porque é complexa, cheia de camadas. Para mim, colocá-la no disco é um presente pro Sérgio, em forma de muito obrigada, porque você colocou essa sementinha e eu consegui, morar fora e de ter todas essas ferramentas para continuar me desenvolvendo no violão.

Gabriel Maués, 27, é músico, paraense de Abaetetuba, bacharel em Violão pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde foi aluno de nomes como Marcello Gonçalves e Elodie Bouny. É professor, arranjador e faz pesquisa sobre técnica estendida no violão.

P Esse é um relato muito bonito. E o Sérgio Assad é um entusiasta de novos violonistas. Tu fazes parte de uma geração muito rica do violão. Participei do concurso em Teresina, em 2022, e conheci outros que seguiram um caminho parecido, o Nicolas Porto, que está nos EUA, e o Matheus NG, que está em Alicante, na Espanha. Quando tu decidiste voar para fora do Brasil? Os Estados Unidos sempre foram a primeira opção?

R Essa é uma pergunta muito boa. A nossa geração se inspirou muito nas outras que vieram e acho que tem figuras muito importantes nessa. O próprio Paulo Martelli foi meu professor pelo projeto da Cultura Artística, onde eu era bolsista. Ele estudou em Nova York e falava sempre muito bem, estudou na Julliard e na Manhattan School e me vendeu o peixe muito bem. O Sérgio já tinha conversado comigo anteriormente, mas a gente se inspirou muito nesses professores, que saíram, o próprio Fábio Zanon, o próprio Duo Assad, o Sérgio nos EUA e o Odair na Bélgica. A sementinha esteve plantada antes, mas eu não acreditava que eu conseguiria. Eu tinha uma idealização de professores, dos quais eu queria estudar, mas quando fui fazendo concursos no Brasil e tomando dimensão de a carreira está subindo, está tomando rumos muito diferentes do que eu imaginava que seria a minha vida artística, foi caindo a ficha de tipo, tá, eu preciso ir para um lugar onde eu sei que eu vou me desenvolver bem, mas o que mais me pegou mesmo foi um lugar onde eu me sentisse confortável. Em 2000, eu me mudei para São Paulo. Sou de uma cidade do interior chamada Cerquilho, e aí eu fiz Tatuí, que era próximo, no finalzinho da infância, começo da adolescência, e com 18 anos, eu me mudei para São Paulo, e é outra vibe e fiz prova para a Cultura Artística, e eles comentavam “ó, é legal participar de festival fora, se conectar com as pessoas, começar a pensar sua carreira”. E aí, eu fui para a Alemanha em 2019, pra Koblenz, toquei lá no festival, foi muito boa a minha participação. Conversei muito com amigos brasileiros que já moravam lá e sempre me aconselharam a a procurar um professor que achasse que vai conseguir desenvolver. Tem que ter uma conexão interessante com o professor, porque senão é um desastre, né? Já está fora, longe da família, dos amigos… Mas nenhum professor achei que eu tivesse uma conexão, e também teve o lance da língua, de aprender o alemão. E aí acabei mudando de foco, o Paulo foi meu professor durante quatro anos, falava muito de Nova Iorque, e falei, tá bom, eu vou prestar a prova. E aí eu fiz as aplicações para as escolas, fui correndo atrás, passei na Manhattan. Eu não conhecia muitos professores, isso é muito engraçado. Eu fiz tudo errado. Eu fui, passei, veio a pandemia, então o primeiro ano do meu mestrado foi on-line. Depois eu fui pra lá no segundo ano e que lugar irado. Nova Iorque é uma cidade onde tem gente de tudo quanto é canto do mundo.

Eles são preocupados com a adaptação dos alunos. Eu não tinha essa mesma sensação na Europa. A gente conhece os bons professores que tem na Alemanha, mas tentei fazer um caminho diferente. Quando você fala violão, você pensa, ah, a Europa é o lugar para estudar, o instrumento veio de lá, tem muita tradição, mas pensei nos Estados Unidos como porta de entrada para que eles estão querendo desenvolver uma carreira um pouco a nível mundial, e me desenvolver o eu artista, não ficar só na tradição do professor.

P Essa parte de sair do seu lugar de origem, no teu caso, aconteceu mais de duas vezes, né? Foste para São Paulo, para Alemanha e depois para os Estados Unidos. Como foi essa mudança, encarar essa nova realidade dos estudos, da cultura, a distância da família, dos amigos, de tudo que fazia parte da tua vida aqui no Brasil?

R Acho que o meu primeiro choque foi quando eu saí da casa dos meus papais, com 18 anos, para estudar em São Paulo. Porque eu vim do interior, de uma cidade muito pequena, onde todo mundo se conhece. Eu lembro que no meu primeiro ano eu era muito sofrido. Porque eu sentia muita falta da minha família. Eu sempre fui apegada à minha família. Foi um trabalho muito mental, de estou correndo atrás dos meus sonhos, estou amadurecendo. E aí as coisas foram melhorando, né? Acho que parece que a gente vai criando uma casca, mas é uma casca boa. Vai caindo uma ficha no que é a vida, de fazer o que a gente gosta, que é tocar violão, então tem esse contrapeso. Mas tive consciência de sempre estar em contato com os meus pais.

Tenho uma irmã mais velha, que sempre está mandando um alô. Quando fui para Nova York, foi um choque, mas menos porque eu já estava habituada a morar longe da família. O choque grande que eu digo é que eu não resolveria os problemas pegando ônibus e voltando para casa. Foi uma prova de resiliência, porque a gente se cobra muito, você tem que dar resultado. Eu era bolsista, então eu tinha que ficar me articulando, e tem a barreira da língua, o costume. Tinha períodos de recesso de aulas e estudante internacional ficava, e nós precisamos criar uma rede de apoio e as coisas foram melhorando. Quando você muda de país, você vira uma criança de, sei lá, seis anos, só que você é um adulto e você precisa se cuidar. O que te mantém ali é essa vontade de aprender e também de dar valor ao nosso Brasil, não é porque a gente está indo lá estudar que a gente não valoriza o que a gente tem aqui no Brasil de professor. Hoje eu pensaria muito bem antes de sair do país pra fazer aula. No Brasil a gente tem muito bons professores, tem uma tradição de violão muito gigantesca. Em Belém tem uma puta tradição de violão, Pernambuco, Bahia, em Goiânia, existem essas tradições espalhadas pelo país. Aí, lógico, entra a questão toda de para onde é que os recursos todos vão. Mas eu acho que a gente indo, voltando ou ficando lá, cria esse ponto de cone-xão para as futuras gerações.

P Belém também tem essa tradição de violão muito singular. Com o Tó Teixeira, que foi um grande professor marginalizado, passando por Salomão Habib, e outros incríveis como Maurício Gomes, Nego Nelson, que saem um pouco da “vibe” do violão erudito, de concerto, mas que estão firmes e fortes na cena. Tu já tinhas visitado Belém? Quais são as expectativas?

R Será a minha primeira vez em Belém, embora eu conheço alguns músicos que foram para Belém, ou que nasceram lá, e eu estou muito na expectativa, porque sempre me disseram coisas boas de Belém, principalmente essa questão musical cultural. Estou muito animada mesmo para conhecer e trocar essa figurinha com os estudantes, que acho que é principalmente a galera que vai ao concerto, e saber mais, porque são regiões que não ficam em voga, porque a gente tem essa problemática do Sudeste.

Mas eu estou muito animada e e pretendo voltar, porque na próxima quero ter um pouquinho de mais contato com as instituições, os alunos, porque isso que faz a diferença do lugar, e me falaram que é a melhor comida do Brasil.

P Sou suspeito, mas concordo. A última pergunta, tu já tendo essa carreira consolidada, buscando horizontes ainda não explorados, poderias dar alguma dica ou palavras de incentivo para jovens estudantes ou pessoas um pouco mais velhas que também têm esse sonho?

R Já estive nesse lugar e ainda estou fazendo essa transição de estudante para profissional. A coisa mais importante é: tenha certeza daquilo que você está se propondo a fazer, e é mesmo muito difícil ter certeza das coisas. A primeira coisa é seja resiliente, tenha muita paciência, pois às vezes não é sobre tocar violão. Digo que tive amigos no conservatório, que tocavam muito mais violão do que eu, mas não conseguiram se manter. É um jogo de xadrez com muitas estratégias, não existe um caminho certo só.

A segunda dica é não se compare com outros, faça seu próprio caminho, mas com muito profissionalismo, seja sério, não se cobre. É importante ter dentro de cada um o que você vai desenvolver. É também olhar para a realidade. Eu venho de origem muito humilde, mas tive apoio fora da curva da minha família e sempre joguei muito limpo com meus pais, nunca disse, olha vou ganhar muito dinheiro tocando violão. Para quem não tem o apoio da família, procure outra rede de apoio. Não existe lugar certo para ir, o que existe é saber lidar com a ferramenta que está ali presente e nós, como brasileiros, a gente faz isso muito bem, e consegue criar projetos assim maravilhosos, fazer a coisa girar. Tenha um olhar aberto para a comunidade que você está vivendo. Se a gente fica colocando o violão clássico num lugar de superioridade, a música é clássica, a gente não chega. A palavra é democratizar o violão clássico.

CHEGUE LÁ

Concerto de Gabriele Leite – Turnê “Territórios”

Quando: Sábado, 16, às 20h (abertura da sala às 19h30).

Onde: Sala Augusto Meira Filho-Arte Doce Hall ( Av. Governador Magalhães Barata – 1022 – São Brás- Belém)

Classificação etária: 18 anos | menores apenas acompanhados dos pais ou tutores legais.

Ingressos: Entrada franca (Capacidade: 500 pessoas)