Luiz Flávio
No dia 5 de outubro, faltando menos de 9 meses, 5.568 cidades brasileiras vão às urnas escolher os nomes que vão compor as Câmaras Municipais e prefeituras espalhadas por todas as regiões do país. Os futuros candidatos podem ter uma certeza: encontrarão no pleito municipal eleitores mais exigentes e bem informados, com tendência de alto envolvimento nas disputas.
Pesquisa realizada pela APPC Consultoria e Pesquisa, no fim do ano passado, mostra que quase metade dos eleitores consultados declarou ter interesse alto ou muito alto por política e 87% confirmam intenção de votar em 2024. Além disso, 45% dos eleitores declararam que o interesse por política “aumentou” hoje, em comparação com os últimos dez anos.
A maioria dos entrevistados (61%) afirmou ainda que “sempre” ou “quase sempre” conversa sobre política. O levantamento foi realizado apenas no Estado de São Paulo, mas é uma amostra do comportamento do eleitorado em geral que, ao que tudo indica, tem levado cada vez mais os assuntos políticos para o cotidiano de suas vidas.
Karen Santos, socióloga e mestre em Ciência Política, lembra que até algum tempo atrás, as pessoas gostavam de discutir futebol, religião e a alta do preço dos alimentos, que não deixam de ser temas de cunho político. “O que se percebe é uma maior clareza de posições, ou seja, uma capacidade maior de nomear os posicionamentos em relação aos temas que pautam a vida como um todo”, diz.
Em relação a ideologia ela avalia que o se percebe no Brasil faz parte de um fenômeno endógeno e exógeno, isto é, nos últimos 15 anos pelo menos o mundo e o Brasil passaram por dilemas democráticos que colocaram em evidência o funcionamento das instituições republicanas, uma onda de desencantamento que vem flertando com os discursos simplórios e extremistas ao redor do Mundo.
“Aconteceu isso nos EUA com a eleição de Donald Trump, no Brasil, Reino Unido, Hungria, Argentina e Equador… Não é uma crise isolada nem tipicamente brasileira. O debate está mais polarizado e essa é a novidade, em um país no qual os partidos têm um baixo programa ideológico, tornou-se mais visível a procura por plataformas mais identitárias em relação à economia, educação, direitos humanos e etc. As razões dessas mudanças têm sido apontadas por diversas especialistas como uma cristalização da luta do ‘eu contra eles”, detalha Karen, que também é professora universitária e doutoranda em Desenvolvimento da Amazônia.
O fato é que as discussões políticas estão alimentando o ódio de eleitores com posicionamento mais radical e, inclusive, provocando rupturas de amizades e laços familiares e inclusive mortes. Mas, por outro, o debate saudável de ideias tem contribuído para a construção de um eleitorado com senso crítico mais apurado, o que é muito positivo para o processo democrático.
NECESSIDADE
Para a pesquisadora toda radicalização que desencadeia em violência no processo democrático é perigosa e nada saudável. “Contudo, serve como termômetro de razoabilidade e de necessidade de mudança institucional mais efetiva quanto a tolerância do radicalismo dentro da democracia”, pontua. O eleitorado no âmbito geral, aquele mais engajado e participativo, tem estado em alerta quanto ao impacto da desinformação na formação da opinião pública. Mas ainda há uma gama de eleitores com baixa escolaridade e com dificuldade de acesso à informação de qualidade caindo em armadilhas fraudulentas das fake news.
“Em relação as eleições municipais houve impactos significativos nas dinâmicas de poder provocadas pelas alterações eleitorais, uma delas foi o fim das coligações partidárias e institucionalização da federação partidária. Fica mais claro agora que as disputas em âmbito nacional impactarão os cenários locais nas cidades, contudo não será uma mera reprodução da eleição passada. É possível que haja polarizações significativas no âmbito municipal o que exigirá um reforço maior da justiça eleitoral em lugares onde tendem a ser mais violentas as disputas”, analisa.
Uso da Inteligência Artificial preocupa
Para a socióloga, com o impacto da Inteligência Artificial (IA) a distorção de narrativa, vídeos e imagens é um caminho sem volta. Esse talvez seja o maior desafio institucional da democracia: fiscalizar as plataformas e redes sociais sem privar a liberdade de expressão e o direito à informação.
A vacina para fake news, aponta, é a avaliação ética e trajetória de vida de cada candidato ou candidata. “Os discursos antiéticos e incivilizados sempre existiram. O desafio é que a caixa de ressonância não é mais a praça pública, o trio elétrico, mas uma plataforma com alcance inimaginável e sem contexto. Por isso exige diversas frentes de ação, tanto jurídica no sentido de tornar a internet mais ética do ponto de vista do conteúdo veiculado, quanto uma ação subjetiva baseada nos princípios éticos do eleitor”.
A disputa eleitoral, diz Karen, se tornou um grande teatro midiático, principalmente com o advento de uma nova categoria de político que é o “blogger” ou “digital influencer”. “O problema é que não se pautam mais projetos estratégicos com benefícios aos cidadãos, mas apenas polêmicas, views, likes e compartilhamentos. Ou seja, algo que gera um engajamento, mas não pela qualidade, mas pelo impacto – positivo ou negativo – gerado”.
“O voto na urna eletrônica de 4 em 4 anos não exime a responsabilidade diária do eleitor em fiscalizar, procurar se informar sobre as licitações realizadas em sua cidade, buscar participar de audiências públicas que são abertas aos cidadãos. Acredito que adotando uma conduta atenta quanto aos problemas da cidade é um caminho de engajamento positivo no mundo real para nós eleitores”.
Leitores estão conectados com questões locais
A polarização política no plano nacional estará presente nas eleições municipais de outubro deste ano, mas terá impacto limitado sobre o resultado final das disputas pelas prefeituras país afora. “Nas eleições municipais também devem ser disputadas pelas chamadas pautas de costume, onde o debate gira em torno de educação primária, orientação sexual e orientação religiosa, pontos onde a direita e a esquerda tendem a se digladiar nos palanques das principais cidades do Brasil”, aponta Rafael Willian da Costa sociólogo, Mestre em Ciências Políticas pela UFPA.
O elemento crucial que pode determinar o desfecho dessas disputas eleitorais, diz, reside no nível de rejeição dos candidatos. “A teoria política sugere que a percepção dos eleitores em relação a uma gestão municipal pode ser decisiva para o sucesso ou fracasso eleitoral. Nesse contexto, a avaliação crítica da eficácia administrativa e a capacidade de lidar com os desafios tornam-se elementos cruciais para a formulação de estratégias eleitorais. A compreensão do eleitorado sobre como as políticas nacionais se conectam ou não às necessidades locais será um fator-chave para os candidatos nas eleições municipais de 2024”.
O especialista chama atenção que a Inteligência Artificial (IA) e as campanhas de desinformação se tornarão ainda mais complexas, se tornando ainda mais difíceis de serem detectados. “As eleições argentinas, no ano passado, apontaram para algumas tendências. Tanto o presidente eleito, Milei, quanto o candidato peronista Massa, e seus respectivos apoiadores, adotaram essas tecnologias para produzir materiais de campanha”.
Já aqui no Brasil estão discutindo as regulamentações sobre o uso de IA’s e tecnologias digitais no geral. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou em maio de 2023 uma proposta de regulação. Por outro lado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, já sinalizou que o tema é prioridade na Corte Eleitoral.
Polarização pode prejudicar debates
Para evitar ou reduzir o impacto das “fakes”, a população deve, em vez de se informar através de grupos de WhatsApp, procurar por dados confiáveis em veículos de reconhecida credibilidade, aponta Rafael. “Essas organizações possuem equipes especializadas na triagem e confirmação de informações imprecisas ou manipuladas”, observa o sociólogo, que também, é analista sênior da Amazon Focos.
Às vésperas das eleições municipais de 2024, Rafael percebe a preocupante possibilidade de a população eleger prefeitos motivada mais por paixões políticas do que por critérios de competência administrativa. “Nesse contexto tenso, marcado pela polarização intensa e pela disseminação de notícias não verídicas, o debate crucial sobre a gestão pública em cidades que enfrentam desafios significativos, como transporte urbano, meio ambiente, infraestrutura e segurança, está ameaçado”.
Como cenário político ainda está em movimento, como peças de xadrez, os agentes políticos buscam superar seus adversários através da mobilização de aliados bem como se esquivar de escândalos criminais. Rafael cita a operação “Tempus Veritatis” da Polícia Federal (PF), realizada mês passado, contra pessoas acusadas de uma “tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito” mirou membros da alta cúpula de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inclusive dentro das Forças Armadas.
“De outro lado o presidente Lula tenta dançar a música tocada pelo congresso nacional, onde os parlamentares possuem uma fome sem fim por cargos e emendas, principalmente para aprovar medidas importantes como foi o caso da Reforma Tributária”
Dessa forma, aponta, há o risco de que, ao priorizar questões ideológicas, em detrimento de uma análise objetiva das capacidades administrativas, “sendo as necessidades essenciais dessas localidades sejam negligenciadas em favor de interesses partidários”.