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Grazi Massafera e a volta de Dona Beja

Grazi Massafera é a protagonista da história. Foto: Divulgação
Grazi Massafera é a protagonista da história. Foto: Divulgação

Talita Duvanel – Agência O Globo

Em 1986, o puritanismo nos costumes era testado com as propostas dramatúrgicas da TV Manchete, que, naquele ano, estreava sua segunda telenovela. Protagonizada por Maitê Proença, “Dona Beja” (na época grafada como “Dona Beija”) hipnotizou homens e mulheres com a história de uma cortesã mineira deslumbrante, independente financeira e sexualmente, que se envolvia com dois homens na pequena Araxá e aparecia em cenas de sexo e nudez em plena TV aberta, algo que virou marca da emissora naquela e na década seguinte.

“Dona Beja” estará de volta num Brasil ainda conservador sob muitos aspectos, mas aparentemente mais aberto para discutir questões de gênero e raça. E isso parece estar contido na releitura da trama, que estreia ano que vem na Max (antigo HBO Max) e cujas gravações devem terminar neste mês no Rio. Estes assuntos vão estar na trama dos protagonistas vividos por Grazi Massafera (Beja), Davi Jr. (Antônio Sampaio vivido no passado por Gracindo Júnior) e André Luiz Miranda (João Carneiro, trabalho de Marcelo Picchi em 1986).

“As pautas mais fortes dentro do projeto são feminista, racial e trans” diz Grazi Massafera, direto dos estúdios da novela, fazendo referência à personagem de Pedro Fasanaro, pessoa não binária que interpreta Severina, melhor amiga de Beja e mulher transexual.

Justamente por essas tintas, os 40 capítulos de “Dona Beja”, escritos por Daniel Berlinsky e António Barreira, são uma releitura e não remake do que se viu há quase 40 anos, diz André Luiz.

“A novela toda é diferente. A gente está recontando essa história, apesar de a trama principal estar ali. Não assisti à primeira versão e, na verdade, acho que não foi base para ninguém do elenco. Não estamos tentando fazer uma cópia. Há personagens diferentes, com propósitos diferentes”.

A trama da TV Manchete e da Max é livremente inspirada na vida da personagem real Ana Jacinta de São José, que viveu em Araxá, no interior de Minas Gerais no século XIX. O Globo visitou a cidade cenográfica em Guaratiba, Zona Oeste do Rio, que reproduz o centro da cidadezinha em mil metros quadrados de construções. Levou três meses para tudo ficar pronto para as gravações.

Ana Jacinta, segundo a historiografia oficial, foi sequestrada pelo ouvidor do rei, levada para outra cidade e mantida como amante. Enquanto ele estava fora de casa, ela recebia, como vingança, outros homens, que a cobriam de ouro e joias. Quando o rei chamou o ouvidor para o Rio de Janeiro, ele largou Beja (como ela era conhecida), que voltou para Araxá rica, independente e ainda mais deslumbrante. Na cidade natal, reencontrou o antigo amor, Antônio, que a recusou. Ela abriu, então, a Chácara do Jatobá, um bordel de luxo onde exerceu sua liberdade profissional, acumulou mais dinheiro e se relacionou com João, um novo amor.

“Antônio e João não são rivais”, diz André Luiz. “São amigos que amam aquela mulher de formas diferentes. A única rivalidade é na política. Não é bem essa história de dois homens pretos lutando pela mocinha loura de olhos verdes”.

Davi Jr. fala da importância de mostrar negros em posições de poder, e não de subalternidade, naquela sociedade do início do século XIX, quando, pelo senso comum, negros eram apenas escravizados.

“Fazia parte da realidade da época: existiam pessoas negras libertas, que tinham cargos e posses. Isso é humanizar os personagens negros na dramaturgia, para não ficarmos apenas nos estereótipos”, diz Davi.

Esta não é a primeira vez que Davi e Grazi se encontram numa novela, muito menos a estreia como par romântico. Os dois formaram um casal em “Bom sucesso”, novela da faixa das 19h da TV Globo em 2019. Mas esta é, sim, a primeira vez em que dividem momentos de intimidade na frente das câmeras.

 

COORDENAÇÃO DE INTIMIDADE

Para eles e todo o elenco, a Max trouxe para o set um protocolo já padrão em suas produções internacionais: a coordenação de intimidade. Aqui, foi feito por Roberta Serrado, que prefere ser chamada de preparadora de intimidade. Ela esteve presente desde a construção dos personagens. Também está nos ensaios para conversar com atores e diretores sobre posicionamento de câmera e deixar todo mundo à vontade na mesma página.

“Não tenho nada a ver com compliance (risos). Num primeiro momento, acho que aqui no Brasil aconteceu como lá fora, alguns diretores se assustaram”, diz Roberta, sobre a reação que tem visto no mercado brasileiro à medida que essa figura se torna mais comum. “Alguns dizem: ‘Eu sempre dirigi cena de sexo.’ Mas nós não estamos aqui para dirigir. Direção é do diretor”.

Grazi nunca havia trabalhado com uma pessoa como Roberta no set e tem achado interessante a experiência. “Está sendo supercriativo. Existe uma cabeça a mais pensando sobre aquilo, nuances diferentes. Na hora da cena em si, é mais uma conversa”, diz a atriz. “Me sinto protegida. Às vezes, até demais. A cena precisa acontecer (risos). É porque é novo, né? Pelo menos para mim”.

Com mais de dez novelas no currículo e uma indicação ao Emmy internacional (2016) por sua atuação em “Verdades secretas”, Grazi diz ter “questões com cena de sexo”.

“Para mim, não é uma coisa que deve ser banal. Não é que seja um problema ficar nua, mas a nudez tem que fazer sentido dentro daquele personagem. Não acredito na nudez pela nudez. Mas isso sou eu como atriz. Se essa personagem precisa que eu esteja completamente nua, falando determinado texto, ela tem que me provar isso dentro da história. Quando eu vejo que faz sentido, não tem por que não fazer. Entende a diferença?”