TEXTO: WAL SARGES
A arte que atravessa a cantora e compositora Azuliteral se expressa em música, literatura e feminilidade. Em seu novo trabalho, a artista traz várias nuances de sua personalidade que se conectam a sua espiritualidade. “Fluxa” é o nome do álbum dela que já está disponível em todas as plataformas de música desde o primeiro minuto desta quarta-feira, 6. E na próxima sexta-feira, 8, será lançado o clipe da canção “Dádiva do Rio”, na plataforma da artista no Youtube.
Batizada como Rafaela Oliveira, a cantora de 23 anos diz que prefere ser referenciada como Azuliteral, cujo apelido é Zuli. “A escolha do nome tem a ver com o meu amor pelo azul, enquanto a cor da espiritualidade, da tranquilidade, da criatividade, então escolhi esse nome para me reger dentro do meu trabalho artístico. Outro [motivo] é a sonoridade do nome. ‘Azuli’ vem de uma palavra árabe, do hebraico, e tem uma sonoridade muito semelhante ao nome da minha mãe, Alzeíres, que sempre achei lindo e diferente”, diz ela.
Multiartista, Azuliteral escreve, compõe e dança
Além de cantora, Azuliteral é bailarina e escritora. A história dela na arte começou aos dois anos de idade, a partir da dança. Aos 18, ela passou a exercê-la profissionalmente, quando entrou na companhia de dança da coreógrafa e professora da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Auxiliadora Monteiro. Em 2020, Azuliteral começou na música, com o processo de gravação do EP “Cabana”, que surgiu a partir de uma poesia que ela escreveu (“Trilha de uma poeta perdida”) após ler “Um Teto Todo Seu”, de Virginia Woolf. “Essa leitura foi um marco na minha reflexão sobre mulheres na literatura e na ficção”, aponta.
“Fluxa” possui dez faixas que transitam entre a música popular e o pop rock e chega pelo projeto Natura Musical, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Pará (Semear). Cada canção traz inspiração na literatura. “A literatura é para mim um grande ponto de partida. O álbum nasceu do EP ‘Cabana’, que tem uma conexão com a água e a praia. ‘Cabana’ é o meu ser e fala da minha ancestralidade e de pessoas que vieram antes de mim. Em ‘Fluxa’, eu trago sobre mim e a minha contemporaneidade. Assim como ‘Cabana’, ‘Fluxa’ também foi inspirado em um livro, ‘Trama das Águas’, uma coletânea literária composta só por mulheres, nascidas ou naturalizadas no Pará, da qual eu faço parte com o texto ‘Descobrindo o Sublime no Trivial’, que fala sobre a solitude”, conta Azuliteral.
“Fluxa” é trabalho espiritual e fruto de processo de autodescoberta
“‘Fluxa’, para mim, é um álbum bem espiritual, então, espero que o público esteja aberto e interessado em viver algo assim através das músicas também. Tenho certeza que quando o público ouvir essas músicas, muitas memórias marcantes vão voltar e conversar com elas. A partir desse processo, espero que venha uma tomada de consciência sobre isso e a identidade que as pessoas veiculam, pensando em ‘quem sou’, ‘quem somos’ e entender que o ‘eu’ é coletivo, transitório, porque é um processo contínuo de autodescoberta. O álbum vem para se conectar com a nossa introspecção e a nossa identidade e ainda a nossa meditação”, completa.
As músicas de “Fluxa” foram gravadas em maio de 2022. A cada dia, Azuliteral usava fitas e melodias em mente e descobria as músicas que já existiam dentro dela. “Escrevi ‘Fluxa’ inspirada no movimento criativo da água, que me atravessa e que sou, então é simbólico. Dentro da minha própria história, existe uma pluralidade de estética, de momentos, de questões, sentimentos e buscas. São muitas coisas coexistindo numa mesma pessoa, percebendo que identidade é algo fluido, que se constrói, que muda e não é estanque. ‘Fluxa’ vem a partir disso. Em 2022, ele foi aprovado na Lei Semear, na Natura Musical, e consegui o necessário para realizar este projeto tanto no estúdio quanto no audiovisual”, detalha.
Música “Dádiva do Rio” ganhará videoclipe no Dia da Mulher
A música “Dádiva do Rio”, presente no trabalho e que chegará ao público em forma de videoclipe nesta sexta-feira, no Dia Internacional da Mulher, foi inspirada na relação da artista com a água. Traz uma mensagem sobre a importância do feminino dentro das criações e da própria identidade da artista.
“Essa música foi feita em 2022, inspirada num texto da Inaiê Nascimento, chamado ‘Queres ganhar o rio?’. Ela traz a água como uma força muito maior do que aquilo que podemos controlar e transcender. Quando li o texto, fui para o lado da introspecção mais uma vez e reflito sobre o divino para mim, que é o que nos rege e nos engole e muitas vezes. A gente acha que pode retê-lo numa imagem ou ideia, mas para mim ele é muito além, nos abraça numa totalidade. O divino está muito ligado à natureza, porque ela segue seu curso, independente do que acho ou faço. Quando enxergo o divino na natureza, me sinto em paz”, acredita a artista.
Já a faixa “Breu Branco” retrata sobre a ida da mãe para dar aula no município paraense de mesmo nome, quando Azuliteral ainda estava no ventre materno. “Dentro da espiritualidade do álbum, ele trabalha a autorrecordação. Eu lia o texto e meditava sobre as principais questões daquele texto e como aquilo me atravessava. Nisso, vi que me atravessava no lugar da memória”, discorre.
Outra canção, “Sublime”, tem a participação da cantora e compositora Mallu Guedelha. Azuliteral ainda incluiu em “Fluxa” uma música instrumental, “Interlúdio”, após decidir que o próprio corpo interpreta a canção por meio da dança. “Essa é uma música que eu interpreto no meu corpo porque pulsam em mim muitas formas de arte e eu queria mostrar isso no ‘Fluxa’ também”.
Artista também prepara documentário sobre “Trama das Águas”
Em breve, o público será apresentado ao universo literário de “Tramas das Águas”, que inspirou o álbum a partir do documentário “Nossas Tramas”. “Em cada um dos episódios, nós vamos falar das escritoras de ‘Tramas das Águas’. O audiovisual reúne dez mulheres, cada uma inspirando uma música do ‘Fluxa’. Tem a questão da mulher andarilha, que já passou a morar em várias cidades, são mulheres que têm raízes muito profundas no Pará, mas que têm curiosidades e andanças ligadas a várias culturas e espaços. Outro ponto em comum que essas mulheres trazem é a importância da rede de mulheres em suas vidas. Elas dizem que só podem estar onde estão porque outras mulheres estiveram antes, tanto no sentido de servir de inspiração artística quanto no de oportunizar a arte a outras mulheres”, relata a artista, para quem a virada de chave nessa relação com a literatura veio em 2020, a partir do encontro com a escritora paraense Monique Malcher – vencedora do Prêmio Jabuti por seu livro “Flor de Gume” – e outras escritoras em uma oficina de autopublicação para mulheres.
“Nessa oficina, entrei em contato com muitos conhecimentos que me empoderaram enquanto escritora, não só no sentido de uma pessoa que escreve e faz literatura, mas enquanto mulher, porque, querendo ou não, estamos num país que menos publica autores femininos. O mercado editorial ainda não corresponde ao número de escritoras no Brasil. Isso tem um significado muito grande na carreira literária porque nos faz pensar sobre como poderíamos ocupar esses espaços e como eu oficializaria a minha escrita de forma pública dentro dessa realidade”, aborda