Texto: Aline Rodrigues
O registro do choro como Patrimônio Cultural do Brasil começa a ser discutindo hoje, 28, durante a 103ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A reunião, que contará com a presença da ministra da Cultura, Margareth Menezes, se estende pela quinta-feira, 29, e poderá ser acompanhada pelo canal do Iphan no YouTube (https://www.youtube.com/iphangovbr), direto de Brasília (DF).
Para quem a vida se confunde com o chorinho, a discussão é até tardia. “O choro já deveria ter sido reconhecido como patrimônio cultural do Brasil há muito tempo, até porque é o primeiro gênero musical legitimamente brasileiro, o primeiro que surgiu. Quando Dom João VI chegou aqui, trouxe a influência europeia, da polca, maxixe, xote, valsa e outros. Então, o choro foi tomando corpo depois dessa vinda dele para o Brasil”, destaca o músico, compositor e chorão Adamor do Bandolim, considerado criador de uma identidade de “choro amazônico”, criando armadilhas pela harmonia e adicionando influências nortistas em cada composição.
O músico, que se dedica à música há mais de 65 anos, ingressou no grupo Gente de Choro, um dos mais antigos em atividade no Brasil, com a inauguração da Casa do Choro, em 1979, em Belém. Com o falecimento de Ademir Ferreira, dono do lugar, houve uma dispersão dos chorões, e Adamor foi tocar em outros grupos, mas sem deixar de lado o choro.
“Nós temos já o reconhecimento do nosso carimbó, de outros segmentos culturais como patrimônio cultural do Brasil, por que não o choro? Acho que já é em tempo, mais que necessário. Creio que vai dar certo, porque é uma atitude justa, cultural. O nosso choro permanece vivo e latente em todos os recantos do Brasil. Aqui no Pará, há o projeto Choro do Pará, que nasceu em 2006 e até hoje forma novos chorões. Temos a Casa do Gilson, que é o ‘QG’ do Choro, já estamos lá desde 1987, e o movimento do choro no Pará sempre foi bem forte”, conta, destacando que o público do choro é pequeno, mas é fiel no estado.
“O choro no Pará sempre existiu, mas começou a ser organizado em 1979, com a fundação da Casa do Choro, sob a liderança do Aldemir Ferreira da Silva. Em 1970, foi o centenário do choro, que foi oficializado no Brasil desde Antônio Calado, Silvia Gonzaga lá pelos anos de 1870. Houve aquela febre em todos os estados em criar o Clube do Choro. Aqui do Pará se ventilou, mas não saiu do papel. Em 1979, no centenário, o Aldemir não criou o Clube do Choro e sim a Casa do Choro, mas o destino quis que ele partisse cedo. Em 1983, ele faleceu e passamos a nos reunir espontaneamente na Casa do Gilson, na calçada. O Gilson fez parte da primeira geração do Jeito de Choro, era o nosso cavaquinho”, detalha Adamor, que teve o dia do seu aniversário, 29 de maio, declarado Dia Municipal do Choro em Belém a partir de 2019.
“Já temos vários grupos por aí cantando choro: o Engole o Choro, Os Brejeiros, O Mercado do Choro, que é muito atuante, o Charme do Choro. Nosso movimento aqui em Belém está muito bem, obrigado”, acrescenta o músico.
Expectativa é que o título garanta incentivo real para manter o choro
Para a professora e integrante do grupo O Mercado do Choro, Carla Cabral, quando se pensa em reconhecimento de uma obra, legado, movimento, história, o contentamento, com certeza, é nítido. Mas ela acredita ser importante refletir no que isso significa, para além de títulos.
“Fiz parte desse processo de reconhecimento e sei que ele é fundamentado em toda a multiplicidade que o choro possui, nas diversas regiões e sotaques desse mundo. É aplaudível. Espero mesmo que esse registro aconteça e que o que é de direito ao que é reconhecido como patrimônio histórico, aconteça. No Pará, temos o carimbó reconhecido e, infelizmente, ainda observamos tantos mestres passando necessidades e não tendo relevância por sua dedicação à arte. Isso é triste. Patrimônios possuem direitos assegurados, assim como os seus fazedores. Vivo o choro e sei o quanto isso será preciso para a música brasileira. E que haja respeito”, diz Carla, acrescentando achar fabuloso que as discussões sobre sotaques do choro estejam ganhando mais voz.
“Existe choro no mundo inteiro. Cada Estado, cidade, fazendo aquela música, criando novas, se debruçando também aos ritmos e gêneros de suas regiões. O choro é uma linguagem abrangente, é uma alma que, realmente, precisa ter seus direitos assegurados. Sua relevância para educação musical é altamente expressiva”, acrescenta.
REGISTRO
O processo de registro do choro como patrimônio iniciou em 2012, a partir do pedido do Clube do Choro de Brasília, a que se somaram outras solicitações. Em 2019, a Associação Cultural Amigos Museu Folclore Edison Carneiro (Acamufec) foi selecionada para conduzir a pesquisa e documentação sobre o bem. Mas o trabalho foi atrasado pela pandemia de Covid-19.
Em 2020, as pesquisas foram retomadas com entrevistas e reuniões abertas até chegar ao dossiê de defesa da importância cultural do gênero musical e à última etapa antes da votação do Conselho, com um mês de escuta pública, no final de 2023.
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural é o órgão colegiado de decisão máxima do Iphan, autarquia federal vinculada ao MinC, e delibera sobre o tombamento de bens culturais materiais e o registro de bens culturais imateriais. Esta reunião também marca a posse dos novos membros do Conselho, ampliado em 2023 para ter maior participação da sociedade civil.