Aline Monteiro/Editora do Você
Não há alguém que se diga ouvinte de música brasileira que não saiba a letra ou cantarole a melodia não de uma, mas várias músicas de João Bosco. Compositor de clássicos como “Incompatibilidade de Gênios”, “O Mestre-Sala dos Mares”, “O Bêbado e a Equilibrista” e “Corsário”, entre outros sucessos, sua obra atravessa gerações sem envelhecer, se renova em sua verve de instrumentista virtuoso, e nos reapresenta a nós mesmos. Afinal, como ele mesmo faz questão de dizer, são músicas cheias de personagens de um Brasil imenso. E intenso.
João Bosco chega por aqui para matar a saudade do público de Belém no próximo sábado, 24, com um show que reverencia esse repertório e festeja seus 50 anos de carreira. Será um reencontro aguardado, após vários anos sem apresentações por aqui – João apontou que a última vez teria sido quando foi homenageado no Prêmio da Música Brasileira. Se a memória não o traiu na data, lá se vão 12 anos.
Muita coisa aconteceu, incluindo uma pandemia pelo meio, mas não falta de afeto, garante o músico, ciente do imenso público que sempre teve na capital paraense. “Até então, eu estava sempre em Belém. Mas… Agora eu estou voltando. E espero que a gente possa voltar a fazer nossa ida com a frequência de antes, e continuar me comunicando com esse público, me conectando com ele sempre”, disse em entrevista exclusiva ao Você.
Depois de circular o Brasil, Estados Unidos e Europa com o show, João Bosco subirá ao palco da Assembleia Paraense ao lado dos músicos Kiko Freitas (bateria), Guto Wirtti (baixo) e Ricardo Silveira (guitarra), com quem forma o elogiado “João Bosco Quarteto”.
“É um quarteto que conhece bem o meu trabalho, porque tanto o baterista e o baixista já estão acostumados a tocar comigo, participaram inclusive do DVD ‘Abricó-de-Macaco’, e o guitarrista também, já toca comigo há alguns anos. A gente está com mais ou menos de 50 anos de estrada, então é um show retrospectivo. Você vai ter sucessos que começam desde o ‘Bala com Bala’, de 1972, passando pelo disco ‘Caça à Raposa’, que tem ‘De Frente pro Crime’, ‘Mestre-Sala dos Mares’. Tem o ‘Galos de Briga’, onde tem ‘Incompatibilidade de Gênios’, enfim, você vai passando esse repertório e chega até o ‘Abricó-de-Macaco’, que é de 2020”, antecipa João Bosco.
No set list, ele também deve incluir músicas novas, como “O Canto da Terra por um Fio”, single que ele lançou em dezembro, abrindo caminho para um novo disco de inéditas que começa a gravar agora em março e que chegará aos fãs não só nas plataformas digitais, mas também em CD. “Tem parcerias com Francisco Bosco, parcerias inéditas com o Aldir Blanc, parcerias com Roque Ferreira, da Bahia”, antecipa o cantor.
Ao longo da turnê, o que ficou claro é que essa obra alcança diferentes gerações e João Bosco diz que é comum ver pessoas bem mais jovens na plateia. “Ah, com certeza! Muito do público jovem que vai a esses shows são pessoas que foram influenciadas pelos mais velhos na família. Gente que pertence à minha geração, que escuta esse repertório em casa e os filhos acabam conhecendo e muitas vezes atualizando esse repertório. Você vê músicas como ‘Jade’, ‘Memória da Pele’, ‘Papel Machê’, músicas como ‘O Bêbado e a Equilibrista’ que as gerações mais novas conhecem através dos mais velhos”, conta.
“Mas no fundo é isso que importa na música popular brasileira, e o que ela tem de mais importante, porque eu também, na minha juventude, ouvi músicos que eram de gerações anteriores, como Antonio Carlos Jobim, João Gilberto, Moacir Santos, enfim, uma dezena de compositores brasileiros que vieram antes. E depois os meus contemporâneos, como Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, esses dois últimos com quem acabei fazendo música também”, reflete.
Em permanente estado de renovação
Se João Bosco traz consigo a herança dessa tradição da música brasileira, ele também tem se mantido como uma das referências da canção popular nacional ao conseguir se debruçar sobre o próprio repertório, e renová-lo em diferentes interpretações, a cada época. A essa elogiada capacidade de revitalização, digamos assim, ele credita boa parte da responsabilidade pelo seu sucesso.
“Eu acho que isso é um dos quesitos fundamentais. Por exemplo, nesse DVD que você se refere, ‘Abricó-de-Macaco’, tenho a presença de Moisés Marques, João Calvalcanti, Pedro Miranda, Alfredo Del-Penho, que são músicos de uma geração que vem muito depois da minha. E nós, juntos, homenageando Jackson do Pandeiro, João do Vale…acho isso importantíssimo, são jovens que estão comigo, somando vozes e experiências de compositores”.
Esses encontros também têm dado novo viço à obra de João Bosco, que perdeu seu grande parceiro Aldir Blanc em 2020, vitimado pela covid. Sobre a emoção de cantar músicas como “O Bêbado e a Equilibrista” após a morte do amigo e no contexto histórico atual, o músico diz que as canções da dupla refletem o Brasil. “Essas canções falam de uma gente que persiste, que está aí, que permanece. Falam de pessoas que continuam com as mesmas dificuldades de antes. A dificuldade de uma vida mais digna, de respeito, de tolerância. Essas coisas ainda fazem parte do Brasil atual, né?”, pondera, completando que se a dificuldade é a mesma, a resiliência, também.
“Esse brasileiro existe com a força e o vigor que tem nos diversos pontos do mapa brasileiro, que é um mapa imenso, são regiões diferentes, com situações sociais diferentes, onde um grande número de brasileiros ainda luta para ser reconhecido, para ser visível, para ser identificado. Enquanto isso, a música popular, a função dela, não só da música popular, mas de todo artista, é contar essa história. É você tentar jogar um foco de luz a essas classes sociais diferentes. E é isso que a gente faz. E eu acho que a música popular, ela vem da rua, vem desses personagens que são abundantes na história do Brasil. E aí é que está o show, que está a beleza da música popular, e é isso que a gente vai cantar em Belém”, diz João.
Sobre o virtuosismo do seu violão, João Bosco também olha para trás e para o futuro, rendendo homenagens à tradição musical brasileira.
“Sou um cara que admira muito o violão das gerações anteriores, do Caymmi, do Garoto, do Baden Powell, do João Gilberto. São violões brasileiros de todo tipo. Fui contemporâneo de Rafael Rabello, gravei muito com ele. Esses violões que começam lá no Dilermando Reis, que faz tempo, já lá com aqueles sons de carrilhões e tudo, vão pegar inclusive a geração contemporânea com o Gil, com o Paulinho da Viola, com o Dino Sete Cordas, enfim, são violões tão múltiplos, tão ricos, e meu violão vem desses violões. Hoje você já tem um violão como o do Yamandu Costa, levando adiante. Meu violão vem dessa mistura e o que tento é fazer jus e agradecer a essa herança da melhor maneira possível.”