LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando estreou em 2020, “Bom Dia, Verônica” levou debates urgentes sobre o papel da mulher na sociedade para as telas da Netflix. Nesta semana, ao chegar à sua terceira e derradeira temporada, a série mostra que foi além.
Se em seu primeiro ano concentrou esforços em denunciar a violência doméstica e o feminicídio, no segundo examinou o fundamentalismo religioso e a corrupção em diferentes esferas -igreja, polícia e política. Agora, na terceira, que leva o nome “A Caçada Final”, passou pelo interior do país, no que pode ser lido como uma trilogia de ataque ao conservadorismo brasileiro.
“Não é obrigação da série cumprir uma função social, isso a gente deixa para o Estado, que deveria entrar mais nesse assunto [a violência contra a mulher]”, diz Tainá Müller, a personagem-título. “Mas que a série promoveu um debate, isso é inegável, apesar de eu não gostar de jogar na Verônica a função de educadora.”
Cercada pelos prédios do centro de São Paulo, cenário da própria série, a atriz se emocionou no evento de lançamento promovido pela Netflix e denunciou o fato de vivermos num mundo masculinizado.
Foi também por romper com essa hipermasculinidade -no caso, a do gênero policial- que o seriado “Bom Dia, Verônica” angariou a sua fama. Müller teve, a cada temporada, um contraponto masculino. Primeiro foi Eduardo Moscovis, como um policial serial killer, e depois foi Reynaldo Gianecchini, como um guia espiritual estuprador.
Rodrigo Santoro se impõe como a ameaça da vez, de cabelos longos e tanquinho lustroso, dominando os cavalos da enorme fazenda onde seu personagem mora. Mas nem todas gostam de ser dominadas, diz Verônica quando conhece o personagem misterioso, embora não demore muito para os dois estarem enroscados no feno, numa cena quentíssima em que seus corpos suados colam e descolam.
Nesta temporada, Verônica vai atrás de respostas sobre a organização Cosme e Damião, que está por trás da série de crimes que a assombra. Ela busca um orfanato que tem elos com o grupo e que preparava suas crianças para assumirem cargos de poder na sociedade brasileira, facilitando a rede de crimes por trás da filantropia.
Quem também é novidade no elenco é Maitê Proença, a mãe vaidosa e riquíssima do personagem de Santoro, obcecada por sua aparência. Gianecchini e a atriz Klara Castanho retornam em papéis-chave, como o pastor e a filha que ele chegou perto de violentar.
Na direção, José Henrique Fonseca assume, desta vez sozinho, os três episódios da terceira leva. “É uma série que não é só entretenimento, estamos falando do Brasil”, resume ele, que caminhou sobre uma linha tênue do que mostrar ou não numa trama que tem seu roteiro escrito com sangue.
Foi em “Heleno: O Príncipe Maldito”, de 2011, em que dirigiu Santoro, que ele buscou o nêmesis da nova temporada. O ator, que intercala projetos brasileiros com estrangeiros, diz que cada vez menos sente diferença entre trabalhar no Brasil e em Hollywood.
“Existe uma evolução muito grande, e ‘Bom Dia, Verônica’ é exemplo disso”, diz o ator. “Hoje produzimos com a qualidade padrão lá de fora, não há mais diferença técnica. O que varia é o orçamento, a cultura, a língua. Mas eu confesso que tive mais prazer trabalhando aqui, nesta série, falando a minha língua. A gente se sente mais livre para voar.”
Criada e roteirizada por Raphael Montes e Ilana Casoy, “Bom Dia, Verônica” é vista pela crítica como um dos esforços mais contundentes da Netflix para estabelecer uma base de produção no Brasil.
Por mais vista que tenha sido, o fato de a série chegar a uma conclusão é motivo de orgulho para Müller. Mas ela deixa claro que, se o público pedir, estará pronta para empunhar o revólver de Verônica de novo.