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Carnaval e futebol: relembre os times do Pará na passarela

Tylon Maués

Samba e futebol parecem estar intrinsecamente ligados ao cotidiano de boa parte dos brasileiros. Nos dias de carnaval, a maior parte do país dá um tempo em quase tudo para cair na folia e dá um tempo para outras coisas que não a folia. Com o futebol profissional não é diferente. Paysandu, Remo, Tuna e companhia só voltam a campo a partir da próxima quarta-feira, pelo Campeonato Paraense. Os três já estiveram nas avenidas como enredos de escolas de samba, assim como tradicionalmente as charangas ainda tocam sambas e marchinhas nos estádios.

O Rancho Não Posso Me Amofiná, tradicional escola de samba do Jurunas, já homenageou Papão e Leão em seus enredos. Em 2005, o Clube do Remo foi alvo de homenagem da escola com o enredo “Das águas do Guajará às terras do Pará: Clube do Remo, 100 anos de tradição e glória!”. O desfile acabou dando ao Rancho o título de campeão após dois anos de jejum. Nove anos depois, a escola foi para a avenida homenageando o Paysandu com o enredo “Da paixão secular a um ícone bicolor, um marco a celebrar em uníssono uma história a perpetuar”. Mais uma vez veio o título do carnaval.

Em 2015, a Império do Povo, escola de samba de Macapá, elogiou o clássico paraense com o enredo “Re-Pa: O Clássico Rei da Amazônia”. A iniciativa foi boa, mas a execução não. Sem comissão de frente e sem luxo, a escola abriu o primeiro dia de desfile das escolas de samba local e ela já entrou na avenida perdendo 30 pontos por não ter comissão de frente. Isso esfriou os brincantes e não empolgou a arquibancada. Reza a lenda que até a rainha da bateria chegou atrasada, entrando na avenida quando o tempo da escola já estava se esgotando.

Ano passado, foi a vez da Tuna Luso Brasileira ser homenageada. O clube comemorou os 120 anos de história pelo Império de Samba Quem São Eles, escola de samba do bairro do Umarizal.

Paulo Anete, responsável pelo enredo do Rancho no ano da homenagem ao Papão, conta que a pesquisa se baseou basicamente na história do Papão, grande o suficiente para encher a avenida. “A primeira busca que nós fizemos naquela oportunidade foi saber da própria história do clube, que embasou o texto do enredo, que era uma poesia”.

“É interessante dizer que o Rancho conseguiu fazer isso, unir as duas torcidas”, lembrou Rudivaldo Souza, historiador e pesquisador, também com história ligada à escola do Jurunas, que comentou sobre os três desfiles dos grandes da capital. “O Rancho teve esse privilégio, assim como o Quem São Eles, ano passado, homenageou a Tuna Lusa, isso é importante também, uma interligação. O enredo falava uma águia do Souza, outra do Umarizal. Achei muito bonito o samba também”.

Anete destacou também essa relação entre futebol e carnaval, em especial na Cidade Maravilhosa. “No Rio de Janeiro, onde você vê o samba de forma mais forte, mais apegado às raízes da população do estado, principalmente da capital, ele sempre andou de mãos dadas com as questões do futebol”, disse. “Você vê aí que os clubes de lá têm uma relação muito forte com o samba, e isso daí também se espalhou para o resto do país. São expressões que caminham muito bem juntas. Ao passo que grandes escolas fazem enredos baseados em centenários de alguns clubes, não só aqui como também em outros lugares do país”, completou o carnavalesco.

O Império do Povo, do Amapá, levou o clássico Re-Pa à avenida – Foto: Divulgação

Da popularização ao elitismo

Os estereótipos do brasileiro ao redor do mundo passam por ser um bom jogador de futebol e ter samba no pé. De acordo com o historiador e escritor fluminense Luiz Antônio Simas, o estilo musical e o esporte são partes da personalidade nacional. “É crucial entender que o Brasil é estruturalmente racista, excludente, então o futebol e o samba foram dois terrenos onde as camadas populares conseguiram construir mecanismos de ascensão social”, escreveu Simas, em artigo de 2020.

Futebol e samba se desenvolveram de forma paralelas, embora com origens bem distintas, cruzando-se em diversos momentos. Enquanto os sambas se popularizavam na sociedade, o futebol, esporte deixava as camadas mais ricas para se espalhar por todo país. “O processo de população do futebol é ligado à consolidação do samba. O futebol como esporte introduzido no Brasil pelas elites europeias, times de fábricas, trabalhadores ingleses, estudantes de medicina, ele se transformou em um esporte popular. Essa popularização do futebol foi um processo paralelo que interage o tempo todo com a consolidação do samba”, escreveu Simas.

O paraense Rudivaldo Souza lembra também da relação da raiz do samba com as religiões de matrizes africanas no Rio de Janeiro. “Quando se estava batendo os tambores e a repressão chegava. E esse samba, a priori, ele vai começando a ter o povão. E hoje me preocupa essa questão, no Rio de Janeiro, por exemplo, com a questão mercadológica, a indústria cultural de massa se apropriando do samba. E no futebol a gente vê isso, também. Eu sou do tempo da geral do Mangueirão e hoje você vê que está se elitizando o futebol e os espaços também”.

O historiador fala do aumento da velocidade no consumo cultural a cada ano que passa e isso faz com que muitos estilos musicais fiquem em nichos bem específicos. “Estamos vivendo uma modernidade líquida, que o Bauman (Zygmunt Bauman – 1925-2017) trabalha isso. As coisas estão acontecendo muito rápido. E a indústria cultural também. O mercado está aí, a massificação de produtos, de estereótipo musical. Há espaço para todo mundo, mas hoje a gente já não ouve um samba de raiz, mas o samba continua correndo na veia”.