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8 de janeiro: atos relembram 1 ano da tentativa de golpe

Há 1 ano, bolsonaristas revoltados com resultado da eleição depredaram os prédios do STF e Congresso Nacional. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Há 1 ano, bolsonaristas revoltados com resultado da eleição depredaram os prédios do STF e Congresso Nacional. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ana Célia Pinheiro

Entidades civis realizam, hoje, em várias capitais, manifestações em defesa da Democracia. Em Brasília, no Congresso Nacional, os presidentes dos Três Poderes da República participarão do evento “Democracia Inabalada”. Também em Brasília, o Supremo Tribunal Federal (STF) inaugura a exposição “Após 8 de janeiro: Reconstrução, memória e democracia”.

Todas as programações marcam a passagem de um ano da tentativa de golpe de Estado, realizada por bolsonaristas, em 8 de janeiro do ano passado, no pior ataque à Democracia brasileira em quase 40 anos – ou seja, desde o fim da ditadura militar. O objetivo é mostrar a solidez do regime democrático do País. Mas, também, não permitir que a tentativa golpista seja esquecida, para que nunca mais esse crime se repita.

A exposição do STF será inaugurada às 14 horas. Ela mostrará o esforço de reconstrução do tribunal, o prédio mais vandalizado pelos golpistas. Já o evento “Democracia Inabalada”, no Salão Negro do Congresso, está previsto para às 15 horas. Estarão presentes o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e os presidentes do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco; da Câmara dos Deputados, deputado federal Arthur Lira; e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. O evento foi proposto por Lula e contará com cerca de 500 convidados. Entre eles, o vice-presidente, Geraldo Alckmin; o procurador geral da República, Paulo Gonet; ministros do STF, presidentes de outros tribunais superiores, governadores, prefeitos de capitais, parlamentares, ministros de Estado e representantes de entidades civis.

A abertura acontecerá ao som do Hino Nacional, pela cantora e ministra da Cultura, Margareth Menezes. A seguir, virão os discursos dos presidentes dos Três Poderes e de outras duas autoridades: o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, que falará em nome dos demais governadores. O encerramento será no Salão Nobre do Senado, com a entrega simbólica de uma tapeçaria do artista plástico e paisagista Burle Marx, que foi vandalizada pelos golpistas e teve de ser restaurada; e de uma réplica da Constituição de 1988, que havia sido furtada, mas foi recuperada.

Manifestações 

Até ontem, já estavam confirmadas manifestações em defesa da Democracia em 11 capitais: São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Vitória (ES), Recife (PE), Salvador (BA), João Pessoa (PB), Goiania(GO), Aracaju (SE), Campo Grande (MS) e Porto Alegre (RS). A manifestação em Brasília (DF) foi realizada ontem, devido ao evento “Democracia Inabalada”, que ocorrerá, hoje, no Congresso Nacional. No Rio de Janeiro, a manifestação ocorrerá na Cinelândia, a partir das 17 horas. Em São Paulo, também a partir das 17, na avenida Paulista.

Elas foram convocadas pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, que reúnem a Central de Movimentos Populares (CMP); Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST); Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST); União Nacional dos Estudantes (UNE), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e movimentos de mulheres e negros, entre outros. “Os atos criminosos e antidemocráticos que aconteceram há um ano no Brasil não podem se repetir jamais. É nossa tarefa histórica defender a Democracia”, disse o presidente da CUT, Sérgio Nobre.

Ele lembrou que a entidade nasceu em plena ditadura militar, “forjada na luta pela Democracia” e por justiça social. E convocou todos os trabalhadores a participarem das manifestações, para mostrar que todos estarão sempre prontos a defender o regime democrático. “Jamais podemos esquecer o que acontece num país sem democracia, sem instituições fortes. Em governos autoritários, a classe trabalhadora é sempre a primeira a ser atacada, a perder seus direitos, empregos, renda”, observou.

A doutora em História e professora da Universidade do Federal (UFPa), Edilza Fontes, observa que a Democracia “exige vigília constante, porque pode ser quebrada”. Ataques, ameaças, ditaduras surgem de uma hora para outra. E a História do Brasil registra vários golpes de Estado. Os últimos 40 anos, aliás, como assinala, “são o maior período de Democracia, no País”. Ela acredita que o golpismo do 8 de Janeiro fracassou porque “grande parte das Forças Armadas não aceitou o golpe”. Mas também porque Lula organizou rapidamente a resposta do Estado e da sociedade civil pela via política. Na época, Lula se recusou a decretar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), dando poderes aos militares para intervir e conter as manifestações. A GLO era, aliás, um dos sonhos dos golpistas, já que, acreditavam, com as tropas nas ruas seria possível convencê-las a se manterem no poder.

Ódio e religião e golpismo 

No documentário “Anatomia de um ataque golpista”, lançado há poucos dias pela Folha de São Paulo, o ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, afirma: “O que se pretendia era o fim da Democracia. Era um golpe militar. Era a volta da tirania, da ditadura, a suspensão dos direitos políticos. Não foi um ‘domingo no parque’. Essas pessoas queriam acabar com seus adversários políticos, que consideram inimigos”. Para ele, também, a manutenção dos acampamentos bolsonaristas em frente aos quarteis foi “um grande erro”, já que as “reivindicações” daquelas pessoas (golpe militar, fim do regime democrático, fechamento dos Poderes) não configuram “liberdade de expressão”, mas sim um crime, em qualquer lugar do mundo.

No mesmo documentário, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, chama atenção para um dos fenômenos mais desconcertantes do 8 de Janeiro e da história recente do País: o ódio como expressão religiosa. “O que mais me impressionou, sobretudo depois de ouvir os relatos dos seguranças, foi a mistura de religiosidade com o ódio. Talvez essa seja a faceta mais desalentadora do processo histórico que aconteceu no Brasil: religião misturada com ódio e com agressividade. As pessoas quebravam (as coisas) a marretadas. Depois, ajoelhavam no chão e rezavam”, comenta.

Invasões, espancamentos, saques e depredações 

Em 8 de Janeiro do ano passado, cerca de 5 mil bolsonaristas invadiram, depredaram e saquearam o Palácio do Planalto e os prédios do STF e do Congresso Nacional, em Brasília, sedes máximas dos Três Poderes da República. Jornalistas e policiais foram espancados. Vidraças, estilhaçadas. Móveis e obras de arte, destruídos.

Eles não se conformavam com a derrota de Jair Bolsonaro, frente ao petista Luís Inácio Lula da Silva, nas eleições presidenciais de outubro de 2022. Queriam gerar o caos, “incendiar” o País, para provocar um golpe militar e recolocar no poder o ex-presidente, apesar de rejeitado nas urnas pela maioria do eleitorado.

Porém, não tiveram o apoio que esperavam – nem mesmo das Forças Armadas. As imagens daquela violência nunca vista, transmitidas ao vivo pelas emissoras de TV e redes sociais, indignaram a população. Entidades civis se mobilizaram. Políticos de vários partidos e países de várias partes do mundo condenaram o golpismo.

Além disso, Lula e o STF agiram rápido. O presidente decretou intervenção na Segurança Pública do Distrito Federal, suspeita de omissão. O ministro do STF, Alexandre de Moraes, afastou o governador do DF. Assim, ainda nos dias 8 e 9, mais de dois mil golpistas foram presos. E os seus acampamentos, em frente aos quarteis, desmantelados pela polícia, em todo o País.

Segundo o Relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional, que investigou o 8 de Janeiro, aqueles atos antidemocráticos foram planejados. O que incluiu “estratégias de enfrentamento e ocupação dos espaços” e o transporte gratuito de manifestantes a Brasília.

A finalidade, diz o Relatório, sempre foi depredar as sedes dos Três Poderes, como demonstram “o tom virulento das convocações, a proibição da participação de crianças e idosos, os planos de sabotagem de infraestrutura, e as técnicas utilizadas e o material encontrado com os manifestantes”.

Para a CPMI, o 8 de Janeiro foi “obra do bolsonarismo”. Ou melhor, do conjunto da obra do ex-presidente: manipulação das massas com discurso de ódio; emprego de milicianos digitais para atacar adversários e o sistema eleitoral; cooptação de forças de segurança; tentativas de corromper e obstruir as eleições; estímulo a “atos e movimentos desesperados de tomada do poder”.

Devido aos crimes do 8 de Janeiro, a CPMI pediu o indiciamento de 61 pessoas. Entre elas, o ex-presidente. As acusações são de associação criminosa e de tentativas de golpe de estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de impedimento do exercício de direitos políticos. Se o indiciamento for aceito e ele for condenado, pegará até 29 anos de prisão.

Para STF, Democracia saiu fortalecida 

Veja o que dizem ministros do STF sobre a tentativa golpista do 8 de janeiro.

Luís Roberto Barroso, presidente do STF: “O 8 de janeiro mostrou que o desrespeito continuado às instituições, a desinformação e as acusações falsas e irresponsáveis de fraudes eleitorais inexistentes podem levar a comportamentos criminosos gravíssimos. Porém, mostrou a capacidade de as instituições reagirem e fazerem prevalecer o Estado de Direito e a vontade popular. A lição é que atos criminosos como esses trazem consequências e que não é possível minimizar ou relativizar o que aconteceu. As punições estão vindo e cumprindo um dos papéis do Direito Penal, que é dissuadir as pessoas de voltarem a agir assim no futuro. Embora possa parecer paradoxal, a democracia brasileira saiu fortalecida do episódio.”

Edson Fachin, vice-presidente do STF: “Não esqueceremos o que aconteceu nesse dia, mas a melhor resposta está no trabalho permanente deste Tribunal: aos que foram às vias de fato, o processo; aos que mentiram, a verdade; e aos que só veem as próprias razões, o convívio com a diferença. Pelo respeito ao devido processo, o Supremo Tribunal Federal honra o Estado de Direito democrático legado pela Assembleia Constituinte.”

Gilmar Mendes: “Um ano após os atentados do dia 8 de janeiro, podemos celebrar a solidez das nossas instituições. Nós poderíamos estar em algum lugar lamentando a história da nossa derrocada, mas estamos aqui, graças a todo um sistema institucional, contando como a Democracia sobreviveu e sobreviveu bem no Brasil.”

Cármen Lúcia: “8 de janeiro há de ser uma cicatriz a lembrar a ferida provocada pela lesão à Democracia, que não há de se permitir que se repita.”

Dias Toffoli: “A brutalidade dos ataques daquele 8 de janeiro não foi capaz de abalar a Democracia. O repúdio da sociedade e a rápida resposta das instituições demonstram que em nosso país não há espaço para atos que atentam contra o Estado Democrático de Direito.”

Luiz Fux: “A Democracia restou inabalada e fez-se presente na punição exemplar contra aqueles que atentaram contra esse ideário maior da Constituição Federal: o Regime Democrático!”

Alexandre de Moraes: “As respostas das instituições atacadas mostram a fortaleza institucional do Brasil. A Democracia não está em jogo, ela saiu fortalecida. As instituições demonstraram ao longo deste ano que não vão tolerar qualquer agressão à Democracia, qualquer agressão ao Estado de Direito. Aqueles que tiverem responsabilidade serão condenados na medida da sua culpabilidade.”

Nunes Marques: “A reconstrução rápida das sedes dos Três Poderes trouxe simbolismo maior ao lamentável episódio, revelando altivez e prontidão das autoridades para responder a quaisquer atentados contra o Estado de Direito. Mais que isso, serviu para restabelecer a confiança da sociedade, guardar a imagem internacional do país e assegurar a responsabilização dos criminosos. Todo povo carrega, em sua cultura e história, as suas assombrações, mas não se constrói uma sociedade saudável sem o enfrentamento adequado daquilo que se quer esquecer”.

André Mendonça: “Ao invés de ter ranhuras em função do dia 8 de janeiro, a Democracia saiu mais forte. Eventos como esse, independentemente de perspectivas e visões de mundo das mais distintas, não podem ser legitimados e nem devem ser esquecidos. Nós crescemos convivendo com as diferenças, que pressupõem respeito, capacidade de ouvir e de dialogar. Nenhuma divergência justifica o ato de violência.”

Cristiano Zanin: “Após um ano dos ataques vis contra a Democracia, tenho plena convicção de que as instituições estão mais fortes e, principalmente, unidas. É preciso sempre revisitar o dia 8 de janeiro de 2023 para que momentos como aqueles não voltem a manchar a história do Brasil.”

Rosa Weber (já aposentada, presidente do STF na época da tentativa golpista ): “O ataque à Democracia constitucional brasileira em 8 de janeiro de 2023, com a abominável invasão da sede dos Três Poderes da República e devastação do patrimônio público, inédito quanto à Suprema Corte do país em seus quase duzentos anos de existência, há de ser sempre lembrado para que nunca se repita! E deixa como lição a necessidade de incessante cultivo dos valores democráticos e da defesa intransigente do Estado Democrático de Direito.”