Luiz Flávio
A Amazônia vem sofrendo efeitos do que especialistas já consideram que será a maior seca da História, com impactos que poderão ser sentidos até o primeiro semestre de 2024. Por ora, o Pará não deve sofrer tanto com essa forte estiagem – que há semanas atinge o Estado vizinho do Amazonas – no que se refere ao abastecimento de água ou mesmo com a logística que envolve a navegação.
No ano de 2005 houve uma grande estiagem na Amazônia, onde o Estado do Amazonas amargou prejuízos de toda ordem devido à seca. Desde então é realizado um monitoramento das condições climáticas que afetam a região, incluindo o Estado do Pará. A situação, ao mesmo tempo que é simples, se torna bastante complexa dada à sua natureza.
“Estamos sob os impactos do fenômeno El Niño, que deriva da anomalia da Temperatura da Superfície no Mar no Oceano Pacífico, o que altera o regime da circulação atmosférica. De modo que os mecanismos formadores da precipitação são deslocados e nesse caso, ficamos sem chuva na Amazônia”, detalha Paulo Afonso Fischer Kuhn, mestre em meteorologia, doutor em agronomia, e pós-doutor em previsão do tempo.
No caso do Pará, aponta, existe um regime de chuvas diferenciado, pois a umidade oceânica que vem da costa norte paraense garante algumas chuvas ao longo da semana, ainda que pouco para o controle das queimadas que permitem, por exemplo, o abastecimento de sistemas de armazenamento e cisternas. “Vale ressaltar que o fenômeno El Niño ocorre e ocorrerá enquanto que houver as anomalias de temperatura na superfície do mar”, afirma o especialista.
Atualmente existem ilhas artificiais no Oceano Pacífico formadas por lixo, composto por resíduos domésticos, industriais e das mais variadas origens. “Todo esse material afeta, fortemente, as características das águas, fazendo com que haja mais absorção de radiação solar o que favorece o aquecimento dessas superfícies”.
Outro fator importante apontado pelo meteorologista é que um relatório da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado (SEMAS-PA) datado do último dia 2, que informa o registro de 681 focos de queimadas no Pará.
“Todo o material expelido pelas queimadas e que são jogadas para a atmosfera afetam diretamente a absorção da radiação solar, implicando um aquecimento da atmosfera o que irá inibir o processo de formação de nuvens que iriam gerar precipitação, pois para ocorrer chuva de água líquida é necessário que as gotículas no interior das nuvens tenham um certo tamanho para que possam precipitar”, explica Paulo, que também é professor e atual diretor da Faculdade de Meteorologia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Para reduzir esse impacto ele ressalta a importância de haver um processo de educação da população quanto às queimadas, que são altamente prejudiciais, impactando desde questões relacionadas com a saúde até aspectos climáticos. O meteorologista frisa ainda que o excesso de focos de queimadas, nesse momento, oferece um grande impacto na formação das chuvas, “pois deixam as camadas mais baixas da atmosfera severamente aquecidas de modo que a água que precipita das nuvens, de certo modo, evaporam antes de atingir a superfície”.
Paulo Afonso lembra que o Pará se aproxima do período chuvoso e que se for tomado como base o que ocorreu em 2005, existe grande possibilidade do Estado não ser atingido pela seca dos rios. Para ocorrer tamanha seca, com redução drástica do nível dos rios de maneira que afetasse a navegação e o abastecimento, ele diz que seria necessária uma forte estiagem nas cabeceiras dos rios e que ao longo das bacias não ocorresse nenhuma chuva. “O Estado do Pará é abençoado nesse sentido, pois estamos muito próximos do oceano. Talvez o risco maior seria a salinização atingir áreas de abastecimento e ou pesca. Mas para isso seria necessário fazer uma avaliação do pH das águas paraenses”
Observando o relatório das queimadas, ele aponta que mais da metade dos municípios paraenses estão com focos de queimada, o que é muito grave. “Os efeitos climáticos demoram a acontecer, e demoram mais ainda para deixar de acontecer. Essa é uma mensagem que precisa ser entendida”.
EFEITOS
Antonio Sousa, coordenador do Núcleo de Monitoramento Hidrometeorológico (NMH) da SEMAS e mestre em Meteorologia (Área de Climatologia e Mudanças Climáticas) também cita o fenômeno El Niño como causador principal da seca na região Norte. “É um fenômeno climático que altera a circulação dos ventos em todo o globo, mudando o comportamento do clima em diversas regiões do planeta. Na região Amazônica, de modo geral, os principais efeitos são a redução na frequência e nos volumes de chuva, além do aumento das temperaturas do ar”, detalha.
Segundo ele, existe a possibilidade de a seca atingir o Estado do Pará, pois o El Niño está atuando desde junho na nossa região, e com a redução das chuvas já no início do período chuvoso no sul da Amazônia (setembro), a estiagem nos principais rios da região tende a ser acentuada, como, por exemplo, nas regiões do Baixo Amazonas e Tapajós.
Os níveis dos rios registrados nos municípios de Óbidos, Santarém e Itaituba, estão abaixo dos padrões considerados normais para o período e bem abaixo dos níveis registrados no mesmo período do ano anterior (2022). “Só para termos noção da diferença, em Santarém o valor considerado normal do nível do rio hoje (6/10) é 2,75 metros. Nessa mesma data em 2022, ano de atuação do fenômeno La Niña, o nível estava em 3,26 metros. Só que hoje (6/10) o nível registrado está em 1,11 metros. Ou seja, este ano o nível do rio está 2,15 metros abaixo do que foi registrado na mesma data do ano anterior”, calcula.
Ele ressalta que o período chuvoso que iniciou em 2022 estava sob influência do fenômeno climático La Niña (condição oposta ao El Niño), que contribui para o aumento nos volumes e intensidade das chuvas na região Amazônica. “O período chuvoso deste ano apresenta condições semelhantes aos anos de 2005 e 2010, que são as duas secas mais intensas registradas nos últimos anos (2000 até o presente)”, destaca.
O coordenador justifica que o aumento no número de queimadas na região tende a ser mais um resultado do El Niño. Segundo ele, as reduções nos volumes de chuvas deixam o solo e a vegetação mais seca, o que favorece a ocorrência dos focos de queimadas e até mesmo os incêndios florestais.
PARA ENTENDER
A SECA NO AMAZONAS
l No Amazonas os efeitos da seca são evidentes em grandes rios, como o Negro, Solimões, Purus, Juruá e Madeira. O nível do Rio Negro caiu em média 20 cm por dia de agosto ao início de setembro, segundo o Serviço Geológico do Brasil. A Bacia do Rio Madeira, uma das mais importantes da região, também tem rios estão abaixo das cotas mínimas históricas.
Dezenas de cidades estão em estado de emergência, com problemas no abastecimento de água e dificuldades no transporte fluvial, principal modalidade de locomoção de pessoas e de mercadorias na região Amazônica. Comunidades ribeirinhas apontam para a redução dos cardumes de peixes nos rios, e em Tefé (AM), mais de cem botos-rosa e tucuxis foram encontrados mortos em um lago, e cientistas acreditam que o calor extremo pode ter contribuído para essa tragédia ambiental.
O fenômeno El Niño, que tem levado a culpa pelos eventos extremos no Brasil em 2023, não é o único responsável pela estiagem: além dele, cientistas apontam para o aquecimento excepcional do Oceano Atlântico Tropical Norte, que também tem causado um número acima do normal de furacões no Caribe e nos Estados Unidos.
Porém, o ápice do El Niño, caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, acontecerá perto do final do ano, e pode estender os efeitos já catastróficos sobre o clima vistos em 2023. Serviços de meteorologia alertam para novas ondas de calor, secas prolongadas — não apenas na Amazônia — e chuvas acima da média, em diferentes regiões do país.
Estiagem já muda a paisagem de Alter do Chão
Manoel Cardoso
Folhapress
A estiagem no sul amazônico alterou a paisagem de pontos turísticos como Alter do Chão, distrito de Santarém, no Pará. O rio Tapajós tinha altura de 1,58 m nesta terça-feira (3), o nível mais baixo desde 2010 -ano da seca considerada a mais drástica desde o século 20- para a mesma data, quando a medição foi de 1,32 m, segundo a Defesa Civil do município.
As mudanças causadas pela estiagem são notadas nas principais praias da vila balneária de Alter do Chão, conhecida como o “Caribe da Amazônia”, distante 37 quilômetros de Santarém. Na tarde desta segunda-feira (2), a reportagem acompanhou banhistas que passavam a pé em um ponto do rio que está seco, onde antes nadavam.
A estiagem já é esperada neste período do ano, considerado o verão amazônico. Desta vez, no entanto, a baixa no nível do rio está além da média e já causa dificuldades na região do balneário. Há relato de falta de água potável em algumas comunidades do entorno, embora Alter do Chão em si não tenha registrado casos do tipo. “Em Alter do Chão, os serviços estão normais”, diz o coordenador da Defesa Civil de Santarém, Darlison Maia.
No canal que liga a vila à Ilha do Amor, onde no período chuvoso (inverno amazônico) a travessia é feita através de catraias (canoas), por conta da estiagem do rio Tapajós, os banhistas agora atravessam caminhando.
Outro ponto onde é possível constatar a dimensão da seca fica próximo ao centro de atendimento ao turista. No local, as vigas da ponte estão aparentes e um lago secou. “Alguns peixes e quelônios [(animais de casco como tartarugas] morreram”, conta o presidente do Conselho Comunitário de Alter do Chão, Mauro Vasconcelos. Neste mesmo início do mês, em 2022, o nível do Tapajós estava basicamente o dobro, na marca de 3,80 metros.
Diante desse quadro, o serviço dos catraieiros, que fazem a travessia dos passageiros pelo Tapajós por canoas, minguou. O turismo como um todo, porém, não foi alterado, na avaliação de Vasconcelos. “Os turistas estão atravessando andando para a ilha [do Amor], e algumas pessoas que precisam pegar as lanchas estão caminhando até um quilômetro até o local onde o rio é mais profundo e está navegável”, explica.
Os meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 serão mais secos do que o habitual na região Norte, segundo nota conjunta de Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) e Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres).
No Pará, a área afetada pela seca avançou de 48% para 59% do território nos meses de julho e agosto, segundo a ANA. Em razão da seca nos rios Tapajós e Amazonas, comandantes de embarcações precisam redobrar os cuidados na navegação.
A Capitania Fluvial de Santarém recomenda que os comandantes estejam atentos principalmente aos bancos de areia e que não naveguem à noite em trechos críticos. A Marinha alerta ainda para rajadas de vento, durante alguns períodos do dia, que podem provocar naufrágios.