Cintia Magno
No cenário global, o mês de junho de 2023 foi o mais quente desde que existem registros de temperatura no mundo. A situação, agravada pelos recordes registrados nos primeiros dias de julho, levou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, a alertar que as alterações climáticas estão fora de controle e, mais ainda, que o mundo pode estar caminhando para uma situação catastrófica.
Entre as causas que explicariam a ocorrência de tais registros estão, segundo aponta a organização, não apenas as mudanças climáticas, mas também a ocorrência do fenômeno climático El Niño.
Responsável por elevar as temperaturas registradas na superfície do Oceano Pacífico, o El Niño causa impactos de forma global, mas também local. No que se refere à região amazônica e, mais especificamente, ao Estado do Pará, as consequências do fenômeno estão relacionadas ao aumento do calor e à redução dos volumes de chuva.
O meteorologista e coordenador do Núcleo de Monitoramento Hidrometeorológico (NMH) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Antônio Sousa, explica que o El Niño passa a ser ativo a partir do momento em que se tem registro de períodos consecutivos de variação na temperatura da superfície do Oceano Pacífico.
No trimestre formado pelos meses de abril, maio e junho deste ano, tal temperatura já chegou no limite da normalidade, fazendo com que o fenômeno se confirmasse no início deste mês. “O mês de julho já é considerado o início oficial do fenômeno, levando em consideração o quesito temperatura da superfície do mar, mas, observacionalmente, a gente já percebia as características iniciais envolvendo o El Niño”.
No que se refere aos impactos do fenômeno climático no Estado, o meteorologista aponta que eles tendem a ser observados de forma mais consistente no período chuvoso. Portanto, ainda que o calor intenso tenha sido companhia de quem mora na Região Metropolitana de Belém (RMB) nestes primeiros quinze dias de julho, os registros observados até o momento não apontam um cenário atípico para o período. “Para o mês de julho, nós estamos tendo temperaturas até próximas do que se observou no mês de junho. A temperatura máxima diária registrada aqui em Belém está em torno de 34,5°C”, aponta Antônio Sousa.
“Se nós formos olhar a própria relação com a distribuição de chuvas, praticamente em todos os dias de julho nós tivemos chuvas, só que chuvas em pequenos volumes: chuvas de 6 mm, de 10 mm, com exceção daquela primeira chuva entre o final de junho e início de julho, que teve um volume bem elevado, de 87 mm”.
Nesse sentido, o especialista reforça que, com relação à chuva, considerando os volumes registrados até o dia 13 de julho, se observa um valor médio normal para o mês. “Nós já temos um volume de 132 mm na estação, para um total que é de 156 mm. Então, com certeza eu posso afirmar que as chuvas aqui na Região Metropolitana, no mês de julho, vão ficar entre normal e acima da média para o período”, pontua.
“Com essa informação, a gente pode perceber que o El Niño não está sendo, ainda, decisivo na questão da distribuição das chuvas na Região Metropolitana do Estado. Mas, provavelmente, no período chuvoso na Região Metropolitana, que se inicia em dezembro, nós veremos com bastante intensidade os efeitos do fenômeno”.
Fenômeno deve aumentar até o final do ano
Como o El Niño tende a alterar a circulação dos ventos em grande parte da Terra, é normal que as temperaturas fiquem um pouco acima da média em anos de desenvolvimento do fenômeno. No Pará, o que se espera é que, com a alteração dos ventos provocada pelo fenômeno, se tenha algum incremento nas temperaturas, principalmente nas regiões Oeste e Sul do Pará. “Essas altas temperaturas vão persistir por todo o segundo semestre, principalmente no Sul do Pará, no período de agosto e setembro. Até mesmo agora, no mês de julho, nós já poderemos ter alguns dias com temperaturas na casa de 38°C no extremo Sul do Pará, em Redenção, Conceição do Araguaia. Aquela região pode registrar, ainda neste mês de julho, temperaturas de 37°C a 38°C”.
INFLUÊNCIA
Se considerado que 71% da cobertura do planeta Terra é composta por oceanos, não é difícil compreender a importância para o clima no planeta. O professor da Faculdade de Meteorologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Everaldo Barreiros de Souza, explica que os oceanos funcionam como uma fonte primária de energia e umidade para o sistema climático global e, quando se observa a proporção das bacias oceânicas, o Oceano Pacífico ocupa praticamente um terço do globo.
O professor destaca, portanto, que o Oceano Pacífico é uma bacia extremamente relevante em termos climáticos globais e, exatamente por isso, existe um sistema de monitoramento global, que possibilita fazer o monitoramento das condições oceânicas em tempo real. Se valendo dessas informações científicas, o professor aponta que, considerando a variável de Temperatura da Superfície do Mar (TSM), a partir de março de 2023, se observa a intensificação de uma grande área de águas mais quentes do que a média no oceano. “O El Niño é o aquecimento das águas do Oceano Pacífico e, nos últimos três meses, particularmente agora em julho, toda a área tropical do Oceano Pacífico está com anomalias de até 1,5°C, o que significa um evento intenso. Ou seja, há uma progressão intensa. Temos três meses e se, pela base conceitual, se configurar mais dois – e tudo indica que sim – o evento atinja a sua fase madura, sua fase mais intensa.”
Através dos gráficos apontados pelos dados coletados por bóias de monitoramento que levam sensores até as águas mais profundas do oceano, o professor destaca que se observam áreas de águas profundas mais quentes do que a média. E que essas águas estão aflorando justamente na bacia do Pacífico. “Essa água demora em torno de dois a três meses para aflorar e o indicativo é de que até o final do ano o fenômeno atinja a sua fase mais intensa e de intensidade forte, de intensidade significativa em termos de impactos climáticos globais”.
Além do Oceano Pacífico, o professor destaca que se percebe claramente uma área de aquecimento também na bacia do Atlântico Norte. “Essa é uma bacia importante também em termos de monitoramento climático para a Amazônia. Então, é um sinal também preocupante porque aí temos dois mecanismos, o El Niño e Atlântico Norte aquecido, que vão desfavorecer o regime pluviométrico da Amazônia”.
Em uma análise sobre os impactos esperados especificamente para Belém, considerando os dados dos últimos 30 anos, de 1991 a 2022, e observando que a concentração do regime chuvoso em Belém se dá entre dezembro e maio, e que o regime seco ou menos chuvoso se dá entre junho e novembro, se percebe que a ocorrência do El Niño ocasiona uma diminuição da chuva nos dois períodos.
No período seco ou menos chuvoso, se observa que, em períodos normais, o volume de precipitação fica em torno de 164,3 mm em Belém, já quando se tem a ocorrência do El Niño, o volume de chuvas cai para 121,9 mm, ficando bem abaixo da média. Da mesma maneira, no período chuvoso, o volume de precipitações registrado em períodos normais é de 436,3 mm, e o índice cai para 388,4 mm. “Esse é o impacto associado aos dados, à estatística dos últimos 30 anos e o conhecimento fornecido pela base científica”, pontua o professor da Faculdade de Meteorologia da UFPA. “Para a umidade relativa, também a gente tem condições de umidade abaixo da média, ou seja, clima mais seco. Para a temperatura, o impacto não é tanto na temperatura máxima, mas na temperatura média, onde claramente a gente tem a temperatura mais quente do que a média quando se tem El Niño, e na temperatura mínima, o que significa que as madrugadas vão ser muito mais quentes na Região Metropolitana de Belém”.