RELEMBRE

O dia em que um Boeing caiu a caminho de Belém – e 42 pessoas sobreviveram

Por um erro de navegação, a aeronave se desviou completamente da rota e caiu no meio da Floresta Amazônica, em São José do Xingu, no Mato Grosso

Por um erro de navegação, a aeronave se desviou completamente da rota e caiu no meio da Floresta Amazônica, em São José do Xingu, no Mato Grosso
Por um erro de navegação, a aeronave se desviou completamente da rota e caiu no meio da Floresta Amazônica, em São José do Xingu, no Mato Grosso

“Avião não cai, derrubam.” Essa é a frase que Rita de Cássia Gasparin repete até hoje, mais de 30 anos após ter sobrevivido a um dos acidentes aéreos mais emblemáticos da história do Brasil: o do voo 254 da Varig. Em 3 de setembro de 1989, o Boeing 737-200 decolou de Marabá com destino a Belém, mas nunca chegou ao destino.

Por um erro de navegação, a aeronave se desviou completamente da rota e caiu no meio da Floresta Amazônica, em São José do Xingu, no Mato Grosso. O resultado: 42 sobreviventes e 12 mortos — além de mudanças definitivas na forma como a aviação nacional encara o fator humano.

Como o acidente aconteceu

O plano de voo previa uma viagem de 45 minutos entre Marabá e Belém. Porém, ao assumir os controles, o comandante inseriu a radial 270° no sistema de navegação (HSI), quando o correto seria 027° — um erro de leitura que desviou o avião em 117° para o oeste, rumo ao Mato Grosso.

Foram mais de três horas de voo até o combustível acabar. Sem comunicação clara com as torres de controle e acreditando ainda estarem próximos de Belém, a tripulação foi forçada a realizar um pouso de emergência no meio da mata.

O impacto foi amortecido pelas árvores de até 30 metros de altura. As asas se desprenderam e várias poltronas se soltaram, mas, milagrosamente, a maioria sobreviveu.

Dois dias à espera de resgate

Mesmo após o impacto, o drama não terminou. Sem comida, com feridos a bordo e isolados no meio da floresta, os sobreviventes esperaram por dois dias até o primeiro resgate. A ajuda veio depois que quatro pessoas caminharam até a Fazenda Curumaré e relataram o acidente.

Rita Gasparin lembra de cada momento: “Tentamos sobreviver dividindo a água, nos ajudando. Foi um renascimento”.

O último sobrevivente foi resgatado 63 horas após a queda.

Falha humana confirmada

O relatório do CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) apontou falha humana como causa principal. Todos os equipamentos da aeronave estavam em perfeito funcionamento, e o clima era favorável.

O copiloto Nilson de Souza Ville, também sobrevivente, afirma que houve “falta de humildade” do comandante ao insistir na rota errada. “Quando a gente não aceita que está errado, insiste numa pseudo-realidade. E foi isso que aconteceu”, relata.

Apesar da condenação à prestação de serviços comunitários e multas, Ville nunca mais voltou à aviação comercial. Já o comandante Cesar Augusto Padula Garcez, que também sobreviveu, nunca se pronunciou publicamente sobre o ocorrido.

Legado: mudanças na aviação

O acidente do voo 254 impulsionou mudanças profundas na aviação brasileira, como a implementação obrigatória do CRM (Crew Resource Management) — um sistema que valoriza a comunicação entre comandante e copiloto, reduzindo a hierarquia excessiva na cabine.

Ville, hoje palestrante e autor do livro Voo sem Volta, reforça: “Não existe mais o ‘power distance’. O CRM salvou muitas vidas desde então. Infelizmente, precisou de uma tragédia para isso”.

🗺️ Infográfico: A tragédia do voo 254

✈️ Voo 254 – Varig

  • Aeronave: Boeing 737-200
  • Data: 3 de setembro de 1989
  • Origem do trecho final: Marabá (PA)
  • Destino previsto: Belém (PA)
  • Passageiros: 48
  • Tripulantes: 6

📉 O erro de navegação:

  • Radial inserida: 270°
  • Radial correta: 027°
  • Desvio de rota: 117°, levando a aeronave para o Mato Grosso

🕒 Tempo de voo:

  • Previsto: 45 minutos
  • Realizado: 3h15 (até acabar o combustível)

🌲 Local do pouso forçado:

  • São José do Xingu (MT)
  • Região montanhosa, floresta densa, árvores de até 30 metros

💥 Impacto:

  • Aeronave perdeu as asas
  • Poltronas se soltaram e empilharam
  • 42 sobreviventes (incluindo os 6 tripulantes)
  • 12 mortos

🆘 Resgate:

  • Primeiro resgatado: 48h após o acidente
  • Último resgatado: 63h após
  • Informações chegaram após sobreviventes caminharem até a Fazenda Curumaré

📝 Conclusão do CENIPA:

  • Falha humana: excesso de confiança do comandante
  • Infraestrutura, clima e aeronave estavam adequados

📚 Mudanças pós-acidente:

  • Implantação do CRM (Crew Resource Management)
  • Fim do power distance nas cabines

Fonte: Relatório Final – CENIPA