Em estudo sobre as mutações de citomegalovírus em receptores de transplante renal, pesquisadores do Hospital Ophir Loyola (HOL), em Belém, descobriram alterações em genes associadas à resistência a antivirais. A pesquisa, publicada na revista internacional Cell Transplantation, da editora norte-americana SAGE Publishing, foi realizada com 81 transplantados e sugere que as mutações independem da carga viral elevada, mas sim do DNA. Segundo especialistas, esses são os primeiros achados em pacientes do Norte do Brasil.
O citomegalovírus (CMV) pertence à família do herpesvírus, a mesma de vírus como o da catapora, por exemplo. Comum em diferentes ambientes, estima-se que entre 60 e 90% dos adultos já tiveram contato com o agente infeccioso, que nunca abandona o organismo hospedeiro. A infecção é assintomática e as manifestações clínicas podem incluir mal-estar e febre baixa. Contudo, em imunodeprimidos, como aqueles submetidos a Transplantes de Órgãos Sólidos (TOS), o vírus pode causar sintomas mais graves e até levar o paciente a óbito.
“O CMV é prevalente na população mundial. Geralmente somos acometidos quando criança, mas esse vírus não se desenvolve em indivíduos imunocompetentes. Há estudos que mostram a ‘reativação’ desse agente em imunossuprimidos e imunocomprometidos, o que pode ocasionar a perda do enxerto (órgão) em receptores de transplantes, seja de medula óssea, fígado ou rim”, explicou a doutora em oncologia e ciências médicas, Carla Sant’Anna, principal autora da pesquisa.
A autora correspondente explica que a terapia antiviral prolongada pode levar à resistência aos medicamentos associada ao desenvolvimento de mutações nos genes virais. E foi com base nos estudos existentes que a bióloga deu início à pesquisa sobre a prevalência e atuação do CMV em pacientes transplantados no HOL. O intuito era iniciar base de dados na região Norte, carente dessas informações.
A Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) indica o transplante renal àqueles pacientes com doença renal em estágio avançado e com quadro de insuficiência irreversível. O período pós-transplante exige cuidados para garantir a sobrevida do enxerto e a melhoria da qualidade de vida do transplantado. O monitoramento do paciente possibilita a identificação de infecções virais (uma das principais causas de complicações pós-cirúrgicas) e de mutações associadas à resistência aos antivirais, o que eleva riscos de morbidade e mortalidade.
A identificação das mutações relacionadas à resistência aos fármacos é importante no sentido de melhorar o tratamento. No estudo, pesquisadores avaliaram os genes UL97 e UL54 do CMV, amplificados por qPCR (Reação em Cadeia da Polimerase, quantitativo em tempo real) e sequenciados pelo método de Sanger, técnica que estuda um fragmento específico do DNA.
“Quando nós fizemos o sequenciamento de DNA desse vírus, observamos mutações em alguns usuários, ou seja, esses pacientes não conseguiriam responder ao tratamento padrão utilizado. Isso representou um avanço importante, pois a medicina de precisão individualiza o tratamento e permite a aplicação da medicação que de fato surtirá efeito. Com o monitoramento e fármaco correto, aumentamos a sobrevida, melhoramos a qualidade de vida do paciente e reduzimos o risco da perda do órgão transplantado”, afirmou Carla, que coordena cursos de graduação e pós-graduação no HOL.
Metodologia – A pesquisa foi realizada no HOL, referência em transplante renal. Foram incluídos e acompanhados 81 transplantados, sendo 74% homens e 26% mulheres, com idade média de 44 anos. Os participantes do estudo foram monitorados entre os anos de 2016 e 2018 e, após o sequenciamento de DNA, foram observadas mutações em 15 amostras.
O estudo destaca que o surgimento de cepas resistentes a medicamentos, especialmente em indivíduos imunocomprometidos com infecção ativa, é uma condição potencialmente fatal. Diante disso, o coordenador do Laboratório de Biologia Molecular do HOL, Rommel Burbano, explica que, com a pesquisa, a instituição adotou recursos para o diagnóstico e tratamento das infecções nos transplantes renais. Análises que vão além da reação em cadeia da polimerase quantitativa (qPCR), que detecta a quantidade de vírus implicados no transplante.
“O HOL inovou no sentido de ir além de quantificar os vírus e repassar ao corpo clínico. Quando não há reação ao medicamento primário, o Laboratório de Biologia Molecular do hospital realiza o sequenciamento de um fragmento do genoma do vírus. Isso é necessário para observarmos quais as consequências e, de forma prudente, auxiliarmos a equipe médica na decisão pela troca do antiviral ou aumento da concentração do mesmo”, explicou o coordenador do estudo.
Reconhecimento – Burbano explica ainda que por conta da imunossupressão, o vírus tende a aparecer no sangue e nos tecidos dos indivíduos, e a infecção pode influenciar na perda do órgão transplantado. Ao ponderar a importância do estudo, o doutor em genética é categórico: “a pesquisa representa um avanço significativo e a publicação do estudo traz a vitrine que o hospital merece”.
“É o reconhecimento internacional em uma revista de alto impacto. A direção do HOL está dedicada em oferecer o melhor ao paciente e nós tivemos total apoio da doutora Ivete Vaz (antiga diretora-geral do HOL e atual titular da Secretaria de Estado de Saúde), que comprou equipamentos e investiu nos pesquisadores. Os processos de compras de reagentes fluem como prioridade e isso é um grande diferencial do HOL. A maioria dos hospitais do SUS realizam apenas a quantificação (qPCR), mas nós realizamos a análise do genoma do vírus para verificar se há mutação e informamos ao corpo clínico se há probabilidade de que seja em decorrência da droga utilizada no tratamento”, afirmou o coordenador da pesquisa.