Meia-Irmã Feira subverte os elementos fabulescos do conto da Cinderela com muito gore, sexo e crítica social
Meia-Irmã Feira subverte os elementos fabulescos do conto da Cinderela com muito gore, sexo e crítica social

Recriar contos de fadas dando outras perspectivas não é uma novidade no cinema e na televisão. Mesmo nas histórias de terror há exemplares de gênero que subvertem histórias de crianças, dando novo sentido àquelas narrativas. E existem aqueles que não apenas usam as fábulas como suporte, como conseguem ir além e incluem outras camadas de interpretação ao texto original.

É o caso do ótimo “A Meia-Irmã Feia” (2025), que estreou nos cinemas do Brasil essa semana, mas que já roda por festivais e outros países desde o início deste ano. Primeiro longa-metragem da diretora Emilie Blichfeldt, o filme subverte os elementos fabulescos do conto da Cinderela, transmutando em uma estética mais pro burlesco, sem se furtar de usar elementos do gore e do body horror em favor da história que está contando.

No caso, temos Elvira, a meia-irmã da moça mais bonita do reino, e que na tentativa de conquistar o príncipe antes da irmã e mudar de vida, se submete a métodos torturantes e humilhantes para se tornar bela e magra. É assim, sem nenhuma sutileza, que Blichfeldt trata de elementos caros à sociedade moderna, principalmente às mulheres: a busca incessante por padrões de beleza irreais, o incentivo à disputa feminina por atenção social e profissional, e a misoginia como um quadro posto na sociedade da época (e da nossa, diga-se).

É divertido (propositalmente) e ao mesmo tempo agoniante ver a descida de Elvira até a falência total de caráter e da sua compleição física. Em alguns momentos, a diretora emula o tom romântico das histórias clássicas, mas sem abrir mão da subversão temática, inclusive com o uso de elementos fantásticos, como vermes costureiros, e outros que vivem no imaginário da nossa azarada protagonista, além do apelo sexual (que chega a ser explícito) que permeia parte da trama.

E ainda consegue inserir uma única ilha de racionalidade em toda essa balbúrdia escatológica, que é a irmã mais nova da personagem principal, que se recusa a se submeter a esses estereótipos coletivos. Enquanto isso, todos os elementos humanos que cercam a coitada carecem da mesma falha de humanidade e degeneração mental.

Isso que torna “A Meia-Irmã Feia” único: a capacidade de trabalhar a história de vários pontos de vista cínicos e sem falsos moralismos. Tudo é muito real, cru e cruel. E a vergolha alheia que sentimos ao ver os atos absurdos aqui, em sequência, apenas refletem a impossibilidade de aceitar que parte desses atos está mais próximo do que imaginamos. Basta olhar em volta. Mais um ótimo filme de terror deste ano.